Foi lançado, no dia 05 de abril de 2024, no Auditório Mastaba, da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (FAUFBA), o livro “Parque Theodoro Sampaio: uma construção coletiva em movimento”, de autoria da professoras Angela Gordilho Souza, da pesquisadora do mestrado Carolina Correia Queiroz e do pesquisador do LabHabitar Elenaldo Torres do Nascimento.
Importante área verde urbana da cidade de Salvador, o Parque Theodoro é remanescente da Mata Atlântica e encontra-se ameaçado por usos inadequados e pela acelerada degradação ambiental. Território de rica história quilombola, ali também se instalou o primeiro sistema de abastecimento de águas para Salvador, projeto do Engenheiro Theodoro Sampaio, filho de escravizados, homenageado pela população ao emprestar seu nome a esse Parque Urbano, segundo a professora Angela Gordilho.
As iniciativas relatadas na publicação, realizada com o apoio do Ministério Público da Bahia, resultam de ações que conjugam ensino, pesquisa e extensão desenvolvidas pelo LabHabitar da UFBA e pela Residência AU+E/UFBA, junto à Associação das Comunidades Paroquiais de Mata Escura e Calabetão (Acopamec), em projetos com ampla participação de moradores, há quase duas décadas. Acesse o livro aqui.
A Residência, o que é
A Residência em Arquitetura, Urbanismo e Engenharia (RAU+E/UFBA) é uma proposta pioneira no Brasil na modalidade de curso lato sensu nessa área de atuação, viabilizada pelo Curso de Especialização Assistência Técnica, Habitação e Direito à Cidade, com base na Lei Federal 11.888/2008, concebida para promover assistência técnica de interesse social (ATHIS), pública e gratuita com projetos de moradia digna e melhorias ambientais para comunidades vulneráveis, fortalecendo assim a inserção social da universidade pública em atividades extensionistas, a capacitação profissional e a inovação em tecnologia social em prol do direito à cidade.
Essa iniciativa da UFBA teve como referência as residências médicas e multiprofissionais da área de saúde, consolidadas há décadas no âmbito do SUS/MEC, bem como na experiência desenvolvida no LabHabitar/UFBA – Laboratório de Habitação e Cidade, em projetos de ensino pesquisa-extensão, desde a sua criação em 1993, quando apresentou a proposta de criação da RAU+E/UFBA.
Esse novo curso de especialização foi aprovado em 2011 pela Pró-reitoria de Extensão, em parceria da Faculdade de Arquitetura com a Escola Politécnica da UFBA, presencial, público e gratuito, de caráter pluridisciplinar.
As turmas
A primeira turma teve início em 2013, dando curso às suas três edições experimentais de implantação: 2013/2014, 2015/2016 e 2017/2018, coordenadas pela proponente Angela Gordilho. Tornou-se um curso permanente na sua quarta edição, 2020/2022, coordenada pela professora Heliana Faria Mettig Rocha, e atualmente, está na sua quinta edição, 2023/2024, sob a coordenação do professor Daniel Marostegan e Carneiro.
Marostegan informa que a 5ª Edição da Residência AU+E, atualmente com duração de 13 meses, teve início em agosto de 2023 e se estende até agosto de 2024. Como nas edições anteriores, os residentes atuam divididos em grupos de até 5 estudantes em diferentes territórios populares de Salvador e Região Metropolitana. Na atual edição, a residência está atuando em quatro territórios, sendo eles:
1°- centro histórico de Salvador – com uma atuação pautada pelo reconhecimento da importância da moradia popular no centro e com o objetivo de fortalecer a organização comunitária existente através do Assessoramento Técnico da Articulação do Centro Antigo, que reúne lideranças de diferentes territórios populares que compõe o centro;
2°- Ocupação Trobogy – ocupação para fins de moradia de três edifícios verticais abandonados, realizada por dois movimentos sociais, MNLM (Movimento Nacional de Luta por Moradia) e MSTS (Movimento Sem Teto de Salvador), com cerca de 400 famílias no bairro do Trobogy. Desenvolvimento de projetos de melhorias habitacionais e readequação do conjunto ao padrão do Minha Casa Minha Vida faixa 1;
3°- Ocupações MSTB (Movimento Sem Teto da Bahia), Alto da Conquista e Marielle Franco em Simões Filho - caracterizadas pela autoconstrução de casas térreas, em uma área de expansão urbana. Desenvolvimento de levantamentos sociais e físicos que servirão como subsídios para a realização de um projeto de urbanização da área;
4°- Bairro do Uruguai - bairro popular bastante adensado na Cidade Baixa, no qual a atuação foi solicitada pela Associação de Santa Luzia e envolve a definição de critérios, levantamentos sociais e físicos das habitações para o desenvolvimento de projetos de melhorias habitacionais, num formato de desenvolvimento de um escritório popular dedicado à atuação no bairro.
Metodologia
Na metodologia de aproximação de ensino-pesquisa-extensão, são valorizados tanto os processos como os produtos, como forma de conhecimento coletivo no reconhecimento do território, das demandas e possibilidades propositivas resultantes da troca de saberes locais e técnicos. O desenvolvimento de propostas, práticas e projetos pressupõe, portanto, a discussão coletiva em seminários internos, externos e oficinas, além das orientações por professores tutores, que poderão atuar em coautoria posterior.
Ao final do curso, os resultados são apresentados publicamente em exposição coletiva e na forma de monografia, constando do conjunto das atividades desenvolvidas e propostas, que potencializam ações de continuidades posteriores. Na avaliação do trabalho final, além da banca acadêmica prevista, representantes das comunidades participantes são convidados para depoimentos sobre o processo de trabalho de assistência técnica desenvolvida. Os projetos são repassados para as comunidades, por meio de um termo de disponibilidade, na perspectiva da continuidade da atuação profissional dos autores e tutores como assessoria técnica, por meio de editais de fomento ou mobilização da gestão pública para a sua realização.
Em 2024, com o ingresso de 23 novos residentes, a RAU+E/UFBA completará a formação de 120 profissionais especialistas em ATHIS, com apoio de 54 docentes em cerca de 35 comunidades participantes. Nesse período foram realizadas também várias parcerias com universidades brasileiras nucleadas (UFPB, UnB, UFPel, UFC, UFS e UFRN), algumas delas com cursos similares já implantados.
“São iniciativas que reconhecem o papel pioneiro da UFBA e a metodologia adotada na implementação de residências acadêmico-profissionais nessa área, ampliando gradativamente uma rede nacional, considerando que, em início de 2024, já havia mais de uma dezena de novos cursos similares implantados em universidades brasileiras”, declara Gordilho.
Sobre o LabHabitar – Laboratório de Habitação e Cidade, fundado em 1993 no PPGAU/FAUFBA, ver (https://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/785530).
Primeiras atuações
Nas primeiras comunidades de atuação da RAU+E/UFBA, os residentes e tutores deram continuidade a algumas iniciativas do LabHabitar, nas comunidades de Mata Escura, Calabetão, Gamboa de Baixo, Calabar e Alto das Pombas, dentre outras que foram indicadas pelos participantes, além de parcerias com a União de Moradia – Bahia e movimentos sem teto de Salvador. Com a continuidade do curso, logo surgiram outras demandas no âmbito da Região Metropolitana de Salvador, inclusive de comunidades quilombolas e com a Prefeitura de Ruy Barbosa, município baiano localizado na Chapada Diamantina. Fora da Bahia, as nucleações com as universidades citadas viabilizaram o trabalho em comunidades de territórios locais, indicados pelos docentes credenciados dessas localidades.
Dentre esses projetos, salienta-se a proposta de implementação de um Parque Urbano Periférico na área verde remanescente no entorno das represas do Prata e de Mata Escura, denominado pelas comunidades de Parque Theodoro Sampaio, em homenagem ao engenheiro sanitarista baiano afrodescendente que aí projetou o primeiro sistema de abastecimento de água de Salvador, em 1910. Esse trabalho de quase 20 anos, é que está relatado no livro de mesmo título que acaba de ser lançado.
Persistentes precariedades
As políticas públicas sociais de habitação no Brasil, tradicionalmente têm sido implantadas predominantemente para produção de novos conjuntos habitacionais nas periferias urbanas, sendo representativos os programas do Banco Nacional de Habitação - BNH (1964-1986) e do Minha Casa Minha Vida - MCMV (2009-2016), que em cada período respectivo produziram mais de 4 milhões de novas unidades habitacionais.
“Entretanto, apesar desses grandes investimentos de financiamento público para atenderem ao déficit quantitativo de novas habitações, voltados sobretudo para famílias de rendas médias, a grande problemática da moradia no Brasil persiste quanto ao déficit qualitativo de enfrentamento da precariedade habitacional, seja para a melhoria de unidades autoconstruídas sem orientação técnica e com materiais precários, seja para as necessárias adequações fundiárias, de mobilidade, de equipamentos coletivos e de infraestrutura, demandas presentes nas amplas ocupações excluídas dos benefícios urbanos”, explica Gordilho.
Para isso, e ainda segundo a professora, o papel da extensão universitária, seja através de escritórios modelos na graduação, seja com a implantação crescente de residências profissionais aqui relatadas, tem sido um avanço, ampliando o debate e proposições, a capacitação de profissionais habilitados e inovação nas tecnologias sociais, em processos de ensino e práticas nos territórios, derivando em apreensões coletivas e diretrizes projetuais para intervenção na melhoria do ambiente de moradia.
“A importância deste projeto pioneiro da UFBA, com amplo reconhecimento nacional, foi celebrada com a distinção recebida em 15 de dezembro, na premiação do Dia do(a) Arquiteto(a) e Urbanista de 2023, na categoria Contribuição Profissional, concedida pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) do Brasil. Dentre as homenagens indicadas pela significativa contribuição para o desenvolvimento e valorização da Arquitetura e Urbanismo no Brasil, o meu nome foi indicado para receber o Certificado de Premiação, em reconhecimento a relevante trajetória na área de fomento à ATHIS, através da implantação da RAU+E/UFBA”, informa Gordilho.
A professora reconhece que esse intento não seria possível sem a contribuição coletiva dos docentes, discentes, comunidades e demais envolvidos para a realização desse projeto extensionista na pós-graduação nessa área de atuação, “aos quais retribuo a homenagem!”