Em um futuro não muito distante, o acesso a etapas hoje consideradas "intermediárias" do processo de produção do conhecimento científico será ampliado e estimulado. Nesse futuro, os periódicos científicos, que atualmente centralizam o processo de divulgação das pesquisas, talvez percam um pouco da primazia que hoje detêm no circuito da comunicação científica. E talvez os chamados "preprints" - relatórios parciais e/ou dados "brutos" de pesquisas ainda em curso - passem a contar inclusive para os sistemas de avaliação da produção científica internacional.
Quem antevê esse cenário é o especialista em gestão da informação e conhecimento Abel Packer, coordenador do Programa SciELO- Fapesp, vinculado à Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp), e um dos fundadores, junto com Rogério Meneghini, da plataforma SciELO (sigla para Scientific Eletronic Library Online) - o maior repositório brasileiro de trabalhos acadêmicos - , que esteve na Faculdade de Comunicação da UFBA (Facom) na quinta-feira (10/05). Ele ministrou a palestra “A comunicação da produção científica brasileira: percursos e perspectivas futuras”, evento promovido pela Pró-Reitoria de Pesquisa, Criação e Inovação (Propci) e pela Editora da UFBA (Edufba).
Para Packer, a tendência é que a pesquisa acadêmica passe a ser divulgada nas suas diversas fases, sem que isso retire completamente a importância dos "papers" publicados por periódicos especializados, que deverão continuar concentrando a fase mais fundamental da comunicação científica: a chamada "revisão pelos pares", ou seja, o crivo que pesquisadores de uma mesma área dão às novas pesquisas, aprovando ou não sua divulgação. Porém, ele acredita que também passarão a circular mais intensamente tanto as fases iniciais da pesquisa - garantindo assim a "originalidade" de certas descobertas - quanto fases posteriores, como revisões do próprio autor a papers publicados no passado - de maneira que o artigo não se encerre em sua primeira publicação.
"A tendência é que uma mesma pesquisa passe a ter várias encarnações", resume Packer. A ampliação do acesso aos preprints, ele acredita, aumentará as possibilidades de reprodutibilidade das pesquisas (ou seja, a possibilidade de uma pesquisa ser repercorrida, desde suas etapas iniciais, por outros pesquisadores). "Hoje, apenas aproximadamente 50% das pesquisas são reprodutíveis", observa.
Muita publicação, pouco impacto
Fundador da SciELO, plataforma brasileira de acesso público a periódicos científicos que, neste ano, completa 20 anos, Packer fez um balanço desse período. Se, por um lado, a SciELO conseguiu se firmar como a maior plataforma pública de comunicação científica do mundo - concentrando, atualmente, 1.285 periódicos e 745.182 artigos em sua base de dados - , por outro, ainda é preciso perseguir metas mais ambiciosas de circulação e relevância dessa produção - ou seja, aumentar o chamado "fator de impacto", a taxa de citações de um artigo por outros que estejam em circulação em uma mesma base de dados. Atualmente, as mais famosas, mundialmente, são a Web of Science e a Scopus.
Lançada em 1998, a SciELO foi concebida como uma estratégia para superar o fenômeno conhecido como "ciência perdida", causado pela presença muito fraca dos periódicos de países em desenvolvimento nos índices internacionais. Em 20 anos, a SciELO fez do Brasil o primeiro colocado em percentual de acesso aberto à produção científica no mundo, e ajudou a torná-lo o décimo-terceiro no número total de artigos publicados.
No entanto, o país ainda é o trigésimo-quarto em impacto de citações por artigo. Aumentar o fator de impacto, segundo Packer, depende de investimento em três aspectos fundamentais: a tradução para outros idiomas, principalmente o inglês; o aprimoramento dos critérios de aferição da qualidade das pesquisas e a agilização de sua aplicação (uma vez que, atualmente, a média de espera entre a aprovação e a publicação de um artigo chega a ser superior a 1 ano em algumas áreas); e o aumento da participação de pesquisadores brasileiros em redes de colaboração internacionais, o que estimula o interesse de pesquisadores de todo o mundo na ciência produzida no Brasil.
Em paralelo, observa Packer, é preciso investir em tecnologia para dar vazão à publicação de preprints das pesquisas brasileiras, para que o país não fique para trás na prenunciada "era dos megaíndices" - como, por exemplo, o Google Acadêmico, que hierarquiza a produção científica a partir do volume de dados publicados, sem necessariamente oferecer índices qualificados. Nesse sentido, ele pondera que os megaíndices não devem ser tratados como algo menor, uma vez que já começam a despertar o interesse de corporações privadas que atuam na área de comunicação científica e podem, no futuro, abocanhar, com fins comerciais, fases da pesquisa atualmente consideradas de menor importância.
Ricardo Sangiovanni para o Edgardigital