Por mais de 200 anos, a base da geração e consumo de energia vem sendo o combustível fóssil (cujos principais exemplos são o carvão mineral, o gás natural e o petróleo), que, além de não ser renovável, é altamente nocivo ao meio ambiente. Com a criação da Agenda 21, no início da década de 1990, laboratórios e universidades no mundo inteiro vêm pesquisando e desenvolvendo alternativas sustentáveis ao uso do combustível fóssil. Um desses inúmeros laboratórios se encontra na UFBA e desenvolve uma pesquisa promissora sobre o tema da energia sustentável – o LABEC, Laboratório de Bioenergia e Catálise, do Departamento de Físico-Química do Instituto de Química, responsável por uma pesquisa bastante original sobre biorrefinaria.
Localizado no segundo andar da Escola Politécnica, o laboratório montado pelo pesquisador e professor Emerson Andrade Sales foi criado em 2009, com o principal objetivo de desenvolver biodiesel de microalgas. Comandando uma equipe de 15 alunos que pesquisam e desenvolvem o processo de valorização da biomassa de microalgas, Sales constatou, nos anos iniciais da pesquisa, que a biomassa poderia ser fonte de uma enorme diversidade de moléculas, tornando possível a produção de etanol, querosene, gasolina e óleo diesel. Pesquisas preliminares também mostraram ser possível produzir com pouca dificuldade gás de cozinha, querosene de aviação e óleo lubrificante de máquinas e motores.
O professor Emerson, doutor em engenharia química pela Universidade Paris 7 – Denis Diderot (1996), revela que sua intenção sempre foi “mostrar que a biomassa pode ser uma fonte de várias moléculas e que o homem não precisa do petróleo”. Ele se mostra animado com a evolução dos resultados da pesquisa intitulada Valorização da Biomassa de Microalgas – Bioenergia e Biorrefinaria, desenvolvida desde 2014, que teve uma pequena parte publicada em 1º de junho deste ano pela revista Energy Conversion and Management, e acredita que a produção em larga escala de biocombustivéis em biorrefinarias é extremamente viável e vantajosa. “Os estudos até aqui apontam um ganho maior de energia. Isso impacta na qualidade do produto final, tornando-o mais eficiente do que os derivados do petróleo e altamente competitivo. Além de ser de uma fonte verde renovável, sustentável, faz captura de carbono e não emite contaminantes, como enxofre e metais pesados presentes no petróleo.”
No seu laboratório, são trabalhadas amostras de microalgas coletadas no Dique do Tororó, Porto da Barra e esgoto do Largo da Mariquita, do Rio Vermelho, entre outras. O professor estima que existam em torno de “200 mil espécies já catalogadas por cientistas, das quais algumas já são utilizadas para a produção de fármacos. Outras milhares de microalgas podem ser usadas na produção da alimentação humana, alimentação animal e para produção de fertilizantes”. A multiplicidade de uso das microalgas acaba tornando o conceito de biorrefinaria mais viável. Os combustíveis de microalgas podem ser produzidos nas refinarias atuais e utilizados nos mesmos motores mecânicos que hoje são utilizados os combustíveis fósseis, numa estratégia de transição energética.
Apesar de existirem muitos grupos atualmente dedicados ao estudo de microalgas, para vários fins, o professor diz que “de acordo com prospecções realizadas e conhecimento direto de outros grupos de pesquisa, não temos conhecimento de que outros grupos tenham chegado a resultados similares, nem no Brasil nem no exterior”.
O que ajudou o avanço de seus estudos foi a aquisição de um pirolisador EGA/Py-3030D, importado do Japão, que, acoplado a um cromatógrafo a gás, que por sua vez é acoplado a um espectrômetro de massas, aliado ao conhecimento em processos e catálise acumulado pelo professor ao longo dos anos, “permitiu realizar tratamentos térmicos e catalíticos utilizando a biomassa de diferentes espécies de microalgas, assim como de moléculas modelo, e analisar com alto grau de certeza as moléculas resultantes destes processos”. Basicamente, o aparelho simula as condições de temperatura e pressão necessários para a obtenção de compostos químicos similares aos contidos nas frações obtidas a partir do petróleo, tais como gás de cozinha, gasolina, querosene, querosene de aviação, diesel e óleos lubrificantes. Resultados tão positivos acabaram por expandir o horizonte da pesquisa, tornando possível a identificação de inúmeros compostos úteis à fabricação de outros produtos derivados da biomassa de microalgas, tais como ácidos graxos, óleos essenciais, carotenóides, antioxidantes etc. O equipamento custou pouco mais de um milhão de reais.
De acordo com o pesquisador, o projeto hoje se encontra numa etapa de maturidade, onde se sabe do potencial de inovação, o que acaba gerando um dilema em torno do que fazer com a pesquisa: publicá-la ou registrar a patente? Para ele, o maior desafio agora é proteger a pesquisa, para que se possa beneficiar o maior número possível de pessoas, e somente depois passar para a próxima etapa de buscar recursos que possibilitem chegar a uma escala piloto e industrial.
Sales tem consciência de que, para o produto final chegar ao mercado de consumo, teria de haver um investimento massivo em biorrefinarias, invertendo a lógica de toda indústria, e que “isso não acontecerá de uma hora para a outra”. Portanto, a filosofia na qual o trabalho vem sendo desenvolvido é de transição e não de substituição total. Sobre o preço do produto, ele entende que depende da demanda do mercado e de incentivos, mas afirma que o custo de produção é muito baixo, pois as microalgas são coletadas em qualquer corpo d’água, como mares e rios, e contam com uma diversidade de milhões de espécies. Além disso, é perfeitamente possível utilizar resíduos como insumos.
Saída improvável
No dia 21 de março de 2009, um incêndio pulverizou o laboratório do Instituto de Química da UFBA, e com ele 20 anos de pesquisa do professor Emerson Sales. Pouco antes do incêndio, ele ganhara seu primeiro projeto com microalgas, e então decidiu recomeçar tudo com este projeto de pesquisa mais recentemente submetido e aprovado. Conseguiu uma pequena sala de quatorze metros quadrados, na Escola Politécnica, onde instalou seu projeto. Pouco tempo depois, ganhou outro edital, e com ele a necessidade de um espaço maior para o seu laboratório, solicitação que foi prontamente atendia pela Politécnica. O LABEC é onde hoje o professor Emerson Sales desenvolve suas mais recentes pesquisas, intituladas Sistema Modular de Cultivo de Microalgas em Fotobiorreatores para Produção de Biodiesel por Transesterificação Subcrítica da Biomassa Úmida e Valorização da Biomassa de Microalgas – Bioenergia e Biorrefinaria.
Em oito anos de pesquisa, foram captados e investidos pouco mais de R$ 4 milhões, através de quatro projetos aprovados pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e dois projetos pela Fapesb (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia), ajudando na formação de 6 mestrandos, 2 doutorandos, 12 graduandos e 5 estudantes de iniciação científica. O LABEC é parceiro da Rede de Tecnologias Limpas Teclim-UFBA, com o Senai Cimatec, onde possui uma planta piloto de cultivo de microalgas, e conta com parcerias na França, em um convênio assinado entre a UFBA e Université de Paris 7, EUA, com o NREL – National Renewable Energy Laboratory, e Alemanha (Melkonian Laboratory). O professor Emerson Andrade Sales também é pós-doutor em novas tecnologias para a geração de biocombustíveis pela Universidade de Paris 7- Denis Diderot (em 1998 e 2000) e pelo IRCEL (Lyon – França, 2007-2008). Pela Universidade Paul Sabatier (Toulouse, França – 2009, estudou nanopartículas semicondutores como fotocatalisadores; e na India, pela Bangalore University em 2015, trabalhou com energia, ambiente e sociedade.
Fonte: EdgarDigital