A publicação de um verbete na enciclopédia digital “Stanford Encyclopedia of Filosofy” mostrando o início, na América Latina, de uma tradição de pesquisas que alia a investigação sobre o ceticismo e a abordagem dos problemas modernos e contemporâneos é o mote do VI International Meeting on Skepticism e do XVII Colóquio Brasileiro sobre Ceticismo, na UFBA, evento unificado que reunirá filósofos e pesquisadores brasileiros e de países como México, Argentina, Peru, Colômbia e Estados Unidos para discutir o estado da arte e das pesquisas sobre ceticismo (antigo, moderno e contemporâneo) na América Latina e aprofundar laços de cooperação acadêmica. O encontro acontece entre os dias 26 e 28 de abril, na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (campus de São Lázaro).
“Temos uma compreensão comum de que o ceticismo está associado a duvidar das coisas, e há na filosofia, no pensamento contemporâneo e no moderno, uma compreensão de que [o ceticismo] é uma forma argumentativa que coloca sob suspeita a nossa capacidade de conhecer o mundo natural ao nosso redor. Mas não é esse o sentido em que o ceticismo surge no pensamento antigo, segundo a obra de Sexto Empírico, que viveu entre os séculos I e II depois de Cristo”, explica o professor da FFCH e organizador do evento, Waldomiro Filho. A palavra ceticismo, explica, vem de um termo grego – skeptikos – e significa “investigar” ou “aquele que investiga”: tem-se uma questão, então, um indivíduo com habilidade intelectual específica empenha-se para tentar resolvê-la. (Ver entrevista abaixo)
Segundo o professor Waldomiro, a conotação da palavra ceticismo na antiguidade que não é a mesma que na modernidade, e as razões para isso são uma inexatidão na tradução do grego para o latim, no século XVI, da obra de Sexto Empírico, que acrescentou o termo “dúvida” ao texto. Por sua vez, a perspectiva retomada pelos autores que estarão presentes ao evento internacional na UFBA tenta fazer uma nova leitura, no contexto da contemporaneidade, afirma o professor Waldomiro, que tem como área de ensino e pesquisa a Filosofia com ênfase em Epistemologia, Ceticismo, Filosofia da Mente e Pragmatismo.
O evento dará continuidade aos encontros iniciados por um grupo de pesquisadores influenciados pelo filósofo Osvaldo Porchat, que vem se reunindo a cada dois anos, desde 2004, para discutir pesquisas no campo da história da filosofia antiga e problemas contemporâneos ligados ao ceticismo e à teoria do conhecimento. Inicialmente formado apenas por brasileiros, o grupo passou a atrair pesquisadores de outros países.
Nesta edição, o evento trará nomes que foram citados no verbete publicado na Stanford Encyclopedia of Filosofy – a enciclopédia mais relevante da área – , como os argentinos Eduardo Barrio e Guadalupe Reinoso e o mexicano Pedro Stepanenko. Também estarão presentes outros conferencistas, como os brasileiros Gisele Amaral, Roberto Bolzani Filho, Rodrigo P. de Brito, Jaimir Conte, Plínio J. Smith; os argentinos Fernando Bahr, Diego Machuca e Eleonora Orlando; as peruanas Pamela L. Dammert e Kathia Hanza; os colombianos Andrea Lozano-Vásquez e Mauricio Zuluaga, o norte-americano Otávio Bueno e o mexicano Jorge Ornelas. Também será lançado o livro “Reflexões Pirrônicas sobre o conhecimento e a justificação” de Robert J. Fogelin, pela Edufba.
O encontro latino-americano, cujos idiomas oficiais serão Português e Espanhol, estará concentrado nos temas que os especialistas convidados estão desenvolvendo no momento. Ao final, haverá uma reunião para discutir meios de cooperação acadêmica e publicação comuns, envolvendo as instituições às quais os pesquisadores pertencem, além de estudantes de pós-graduação que estejam vinculados às pesquisas mencionadas. Mesmo sendo realizado num período de férias na UFBA, o professor Waldomiro espera reunir, no auditório da FFCH/UFBA, cerca de 100 pesquisadores dos vários programas das universidades baianas, como UFBA, UEFS e UESB, que realizam estudos na área da filosofia.
A atividade internacional é promovida pelo Grupo de Trabalho da Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (Anpof), pelo Programa de Pós-graduação de Filosofia da UFBA, pelo Programa de Pós-graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências da UFBS/UEFS e pelo Grupo de Investigações Filosóficas (GIF). Mais informações sobre a programação do evento.
Entrevista com o professor Waldomiro Filho:
Como o ceticismo pode contribuir com a vida universitária?
O ceticismo tem algo a ensinar à atividade universitária. Não basta ser um intelectual muito bem informado, inteligente, culto, para que tenha essa atitude argumentativa. É possível ser uma pessoa muito bem informada e inteligente e ter no seu traço intelectual aspectos como arrogância, precipitação, incapacidade de diálogo, intolerância. O modo como o cético antigo descreve o perfil do intelectual envolve necessariamente uma atitude que é generosa, dialógica e tolerante com mente aberta para argumentos diferentes do seu.
O Senhor é um cético?
O ceticismo influencia muito a minha atitude como pesquisador, pois sou um professor de filosofia que tenta ser alguém que preserva o valor das relações com os colegas, para minha época e meu momento…
O que o ceticismo pode ensinar nesse atual momento de polarização política com discussões acirradas, principalmente nas redes sociais?
Que tenhamos conflitos e divergência é natural da sociedade humana. Um gosta de um time, outro gosta de outro, até posições políticas… Mas alguém que tem formação intelectual pela qual passa de um lado a informação filosófica e, do outro, a ideia de valores democráticos é uma pessoa que deve ter um tipo de atitude intelectual e moral especial de tolerância em relação a opiniões diferentes. É importante manter a mente aberta para ideias e concepções que são diferentes da opinião que nós sustentamos. É muito melhor ser um sujeito que é tolerante e razoável do que um sujeito intolerante, dogmático, precipitado arrogante e não aberto ao diálogo. [É preciso] usar critérios normativos para avaliar qual é a atitude melhor. Não só o ceticismo, mas a Filosofia em geral deveria ser algo que nos ensinasse a ter uma atitude intelectualmente mais virtuosa e menos viciada.
Então, as pessoas deveriam se dedicar mais à Filosofia, justamente num momento em que a reforma do Ensino Médio põe em xeque a obrigatoriedade dessa disciplina?
Estudar a Filosofia é importante, como as Artes, a Literatura e outras áreas também. O problema do ensino hoje é o fato de que a formação dos mais jovens se perde de qualquer interesse em se tratar da educação e se concentra na preparação para os exames de ingresso nas universidades. Isso destrói completamente a ideia de formação, pois os estudantes ficam decorando fórmulas e preparando técnicas para responder uma questão em três minutos no Enem. E perdem de aprender uma infinidade de coisas num momento riquíssimo da mente, que vai dos 13 aos 17 anos. Poderia ser uma experiência maravilhosa na experiência humana, mas é absolutamente destruído pelo fato de que a parte institucional da educação é dedicada à estupidez para a preparação para a seleção para ingressar na universidade. A escola tira a liberdade, a criatividade, o tempo para interagir… Acho que estudar disciplinas que têm valor humano – filosofia, ciências sociais, literatura, artes, história – é que pode ajudar a formar homens e mulheres com mentes mais abertas.
Fonte: EdgarDigital