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Cerimônia de Posse - discurso do reitor Paulo Miguez

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Discurso de Posse do professor Paulo Miguez como Reitor da UFBA

05 de setembro de 2022

Boa Tarde!

Uma alegria ver este Salão Nobre da Reitoria da UFBA, restaurado em toda sua beleza, completamente lotado – este que é um espaço-símbolo de momentos os mais significativos da vida da nossa comunidade. E o que nos traz aqui hoje é, certamente, um momento de enorme significado para a nossa comunidade: a cerimônia de posse do Reitor da Universidade Federal da Bahia. Um momento, portanto, em que celebramos nossa vitalidade política e, acima de tudo, o momento em que honramos o espírito democrático que orienta e organiza a vida da nossa comunidade, a vida da UFBA. 

É esta, tenho certeza, uma cerimônia cujo significado ultrapassa os muros da Universidade Federal da Bahia. Sim, pois, ao celebrarmos neste rito de posse a democracia da vida universitária, sinalizamos para a sociedade a nossa disposição de continuar lutando para impedir que prospere no Brasil qualquer gesto que atente contra a democracia e contra a liberdade, patrimônios duramente conquistados pelo nosso povo.

Das dezenas de milhares de pessoas que já integraram a comunidade universitária ao longo dos 76 anos de história da Universidade Federal da Bahia, apenas 15 tiveram a oportunidade de servi-la na condição especial de Reitor: seu primeiro e, por obrigação, mais cobrado (jamais seu mais importante) servidor. Tão grande quanto a honra de ser Reitor é a responsabilidade de ser, por quatro anos, o principal ouvido de uma comunidade de mais de 60 mil pessoas: estudantes, professores, técnicos e terceirizados das mais diversas áreas, portadores das mais variadas necessidades, anseios e aspirações.

Ser Reitor é, sem dúvida, uma dádiva concedida pela comunidade universitária. Uma dádiva, contudo, que carrega uma enorme e desafiadora missão: conduzir e representar uma instituição que encarna a principal aposta de nossa sociedade em um futuro de saber e liberdade, pleno de ciência, cultura e arte. Pleno de vida. Mas, atenção, trata-se de uma dádiva que expressa uma vontade, a vontade da comunidade universitária. E aqui é preciso reafirmar, agora e sempre, que deve ser dela, desta vontade da comunidade universitária, desta vontade soberana e somente dela, o direito de escolher a pessoa que, por quatro anos, será seu primeiro servidor. Uma vez mais: é a vontade democrática da comunidade universitária que faz de alguém verdadeiramente Reitor.

Celebremos, pois, a satisfação – fruto de grande mobilização nossa nesses tempos tão desgraçadamente sombrios – de ver o cargo maior de nossa comunidade sendo ocupado por alguém escolhido democraticamente, através do voto, pela comunidade universitária.

Assim, é com imensa honra que eu, Paulo Cesar Miguez de Oliveira, me apresento, neste belo e restaurado Salão Nobre do Palácio da Reitoria, perante a comunidade da Universidade Federal da Bahia, aceitando a tarefa de ser o 16ª membro em sua história a preencher, com corpo, mente, coração, espírito e uma incontida alegria guerreira o cargo Magnífico de Reitor, autorizado pelos 10.172 mil votos recebidos da comunidade universitária por mim e pelo professor Penildon Silva Filho, meu companheiro de chapa e agora Vice-Reitor; e pela chancela do Colégio Eleitoral da nossa comunidade, que indicou nossos nomes no primeiro lugar de suas listas tríplices, com maioria de votos. 

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Permitam-me, então, como que me apresentando, visitar rapidamente tempos e lugares que me fizeram chegar até aqui.

Primeiramente, registro a casa que me fez: tive menos que João, nosso ex-Reitor, mas ainda assim tive muitas mães, três ao total (vejam, três se não contabilizar meu avô Severino que soube sempre ser pai e mãe). As mães: Laurinda, a que sentiu as dores do parto; Rosa, a avó que se fez mãe; e Celeste, a mãe maior - quanta saudade! - a mãe que sentiu as dores de me ver e crescer.

E já agora, em se tratando de casa, como tempo e lugar preciosos, registro a casa em que experimento amor, companheirismo, cumplicidade, felicidade no carinhoso e permanente colo que me oferecem minha mulher, amiga e companheira Carolina, meus meninos, já quase homens, Rodrigo e Diego, minha sempre menina, Flora, minhas pequeninas netas, Marina e Malu.

Entre infância e adolescência, outra casa fundamental a registrar, o longo tempo e belo lugar que me formou: o Colégio Maristas, onde estudei como bolsista, graça que devo ao saudoso Ir. Achilles Scapin e ao agora centenário Dr. Paraná, este, uma espécie de pai-amigo trazido pela vida, sempre pronto a estender a mão, a ajudar – aliás, o que não me faltaram vida afora, muitas mãos dispostas a me ajudar. E aqui aproveito e já celebro com imenso carinho mais uma das mães emprestadas pela vida, a querida, Gilka Goulart de Santana.

Nos Maristas, os primeiros embates com o mundo, as primeiras rebeldias, a presidência do Grêmio Estudantil, tantos professores, tantas professoras, minha saudosa mestra Candolina, minha professora Walquíria, meus colegas – alguns destes, hoje, para minha alegria, sentados neste Salão Nobre.

1974 é quando começo a experimentar a UFBA como aluno, pela primeira vez. Mas, um parêntese: a Universidade já entrara, bem antes  no meu radar: a visão das unidades espalhadas pela rua Araújo Pinho, caminho diário para os Maristas; as passeatas de 1967 e 1968, quando acompanhei os amigos da vizinhança de Brotas que estudavam no Colégio Góes Calmon; e a cerimônia de formatura dos cursos da UFBA, em 1969 (formava-se um conhecido da família em Medicina), que em protesto contra o Regime Militar foi realizada, em conjunto, no Ginásio Antônio Balbino, certamente a primeira grande balbúrdia da UFBA a que assisti, claro, maravilhado!

Pois bem! Dois anos na Faculdade de Direito, três e meio e a graduação pela Faculdade de Economia, um tempo no curso de Formação de Ator, na Escola de Teatro. Os cinco anos e meio de UFBA, entre 1974 e meados de 1979, me deram uma formação intelectual sólida e refinada e uma imensa disposição de luta política contra a Ditadura Civil-Militar instalada em 1964. Aulas, assembleias e passeatas, professores e o Movimento Estudantil (guardo ainda hoje e exibo com orgulho o crachá de Delegado da Faculdade de Economia ao Congresso de Reconstrução da UNE, em maio de 1979 – honrosa alegria que divido com o também delegado ao Congresso, o então primeiranista de Economia, João Carlos Salles Pires da Silva) conformaram um tempo e lugar, a UFBA, definitivamente fundamentais na minha trajetória de vida.

Em finais de 1981, já aí como economista formado, paguei o preço da militância política com que estive envolvido desde o Movimento Estudantil – preço de banana, baixíssimo, se considerarmos que outros, muitos outros, tinham pago com a prisão, com a tortura e até com a própria vida a ousadia de enfrentar o Regime Militar: fui demitido da empresa pública na qual trabalhava desde que havia me formado em 1979. Dificuldades de arrumar novo emprego acabaram fazendo com que fosse experimentar um tempo e lugar bem longe daqui, em Moçambique, terra que, saibam, acabou se tornando meu outro país!

A questão das colônias portuguesas em África não era uma realidade de todo desconhecida por mim, desde a metade dos anos 1970. Vibrei com a Revolução dos Cravos em Portugal, que pôs abaixo, em  25 de abril de 1974, a ditadura salazarista; lia os artigos publicados em jornais da imprensa alternativa de então, como Opinião e Movimento, sobre a Luta Armada de Libertação Nacional das colônias portuguesas em África; conhecia alguns poemas de Agostinho Neto; assistira, entusiasmado, ao 25, filme de Zé Celso Martinez Corrêa sobre a independência de Moçambique. Mas nada, nada mesmo, autorizava-me a supor que em algum momento da minha vida viria a morar por lá. Pois bem, cheguei a Maputo, capital de Moçambique, no início de junho de 1982. Cheguei para ficar dois anos. Fiquei onze. Entre 1982 e 1993. Dos 28 aos 39 anos de idade.

Onze anos, tempos duros, duríssimos. Tempos de guerra. De duas guerras. Uma, travada pelos trabalhadores, contra as desgraças do subdesenvolvimento num dos maiores países africanos – Moçambique tem mais de 800 mil km2 - e, na altura, um dos cinco países mais pobres do mundo, profundamente marcado pela herança de séculos de colonialismo. Esta guerra, guerreei na linha de frente, ao longo dos onze anos como Diretor Financeiro de uma grande empresa estatal, a TDM - Telecomunicações de Moçambique, o que me legou um aprendizado único, intenso, irrepetível.

A outra guerra, travada pelos soldados, uma guerra com balas, mortes, horror, destruição. Uma guerra que ceifou a vida de milhares e milhares de cidadãos moçambicanos e de muitos estrangeiros e destruiu boa parte da infraestrutura do país. Uma guerra conduzida e financiada por interesses que mais correspondiam ao xadrez das forças que se enfrentavam no terreno da Guerra Fria do que às divergências político-ideológicas e estranhamentos étnicos que supostamente separavam os moçambicanos. Também nesta guerra foi imenso o aprendizado. Aprendi, especialmente, o valor da solidariedade, algo a que nos obrigávamos, os estrangeiros, e que pude praticar intensamente, em particular no seio da ABRASSO, a atuante Associação Brasileira de Solidariedade ao Povo Moçambicano, organização que tive a oportunidade de presidir durante algum tempo.

Lembrar Moçambique, perdoem-me se me estendo nas lembranças, é lembrar de muitos camaradas: moçambicanos (Rui Fernandes, Antônio Oliveira, Zé Amioto, Odete, Zita, Mia Couto e o saudoso Carlos Cardoso) e brasileiros, estes, quase todos integrantes da diáspora política provocada pelo Regime Militar (Álvaro, Reinaldo, Gerson, Baxo; saudades de Fabri, Pedrão e Pinheiro que já foram para o andar de cima). É lembrar do abraço recebido do Presidente Samora Machel, na cerimônia do seu último 1º. de maio, em 1986, antes do atentado que o matou neste mesmo ano; é lembrar de ter beijado a mão de Nélson Mandela, Mandiba, quando visitou Maputo logo após a sua libertação na África do Sul.

É lembrar com alegria de lá ter visto nascer minha filha Flora mas, também, é lembrar da dor de ter visto lá ficar meu filho Gabriel, falecido ainda pequenino. Moçambique é tatuagem de tempo, lugar e gente que guardo em mim com orgulho e para sempre.

Em 1993, estou de volta ao Brasil, à Salvador. Me reencontro com a Cidade da Bahia trabalhando no Governo Municipal, na gestão da minha querida amiga, Lídice da Mata. Volto, então, à UFBA, ingressando na pós-graduação, primeiro no mestrado, no NPGA-EA, e, a seguir, no doutorado, no Pós-Com, na FACOM. Concomitantemente, passo a lecionar na rede privada de ensino superior. Em 2003, convidado, fui para o Ministério da Cultura do Governo Lula. Como Assessor Especial do Ministro e, a seguir, como Secretário Nacional de Políticas Culturais pude participar ativamente, entre 2003 e 2005, da histórica gestão de Gilberto Gil à frente da pasta da Cultura.

2006, com a criação da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, a querida UFRB, é quando entro no Sistema Federal de Ensino Superior. Devo lembrar aqui a honra de ter integrado a primeira turma de docentes da UFRB, tendo lecionado até 2008 no CAHL – Centro de Artes, Humanidades e Letras da UFRB, na bela e heroica cidade de Cachoeira.

A criação do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos, nosso IHAC, minha casa, é que vai permitir meu ingresso como docente na UFBA, na primeira turma de concursados, em janeiro de 2009.

Não há dúvidas que, desde então, no IHAC, na docência, nos Bacharelados Interdisciplinares e no Pós-Cultura, e nas atividades de pesquisa e de extensão desenvolvidas no Cult – Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura e no OBEC – Observatório de Economia Criativa, em meio aos colegas professores, técnicos e muitos alunos tenho podido realizar, para minha imensa alegria, o majestoso encontro sempre referido pelo nosso ex-Reitor João Carlos entre vocação e profissão. Confesso que mais não precisaria me dar a UFBA.

Mas acabou me dando, e muito mais: o honroso cargo de Vice-Reitor nos dois mandatos do Reitor Prof. João Carlos, de 2014 até poucos dias atrás. Honra e lugar privilegiados. Sim, pois se docência, pesquisa e extensão junto à comunidade do IHAC me fizeram, me fazem, aprender muito, os oito anos acompanhando o Reitor João Carlos me garantiram um aprendizado fundamental na condução cuidadosa e paciente das questões acadêmicas e administrativas de uma instituição única, tão complexa e tão diversa quanto a nossa UFBA, me permitiram participar do tecimento do esforço permanente de resistência aos ataques de toda ordem desferidos contra a Universidade.

Aqui, Prof. João Carlos, mais uma vez e sempre, eu, Reitor eleito, nomeado e agora empossado, agradeço pelos oito anos em que tive a honra de caminhar a seu lado, sob sua liderança. Obrigado pela confiança.

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A partir de agora, um novo desafio, este novo Reitorado.

Seja qual for o quadro político-econômico em que se encontre o país a partir do próximo ano, a UFBA seguirá enfrentando com altivez os grandes desafios de seu tempo. Em cenário de escassez ou de bonança de investimentos federais, a política de gestão responsável da coisa pública, lastreada por um planejamento racional e audacioso e sempre em busca da maior eficiência em aquisições e contratações de obras e serviços, bem como da plena execução orçamentária anual, continuará sendo o alicerce da administração da UFBA nos próximos quatro anos. Somente com o planejamento em dia e as contas arrumadas, disponíveis a qualquer tempo ao escrutínio da comunidade e da sociedade, de forma transparente, é que se pode realizar o desafio de investir em uma educação superior que conjugue qualidade e inclusão social.

Se em 2022 as cotas nas universidades federais completam 10 anos de aprovação pelo Supremo Tribunal Federal, na UFBA elas atingem a maturidade, completando 18 anos. Nada mais condizente com o pioneirismo de nossa Universidade nesse campo, portanto, do que iniciar um novo reitorado reafirmando a defesa intransigente das ações afirmativas, que devem ser não somente mantidas como continuamente ampliadas, sendo esse um compromisso fundamental da gestão que se inicia, como foi nos oito anos da gestão anterior. Serão continuadas, com ampliação de seu alcance, as ações de incentivo à permanência dos estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica – registro que considero que A PERMANÊNCIA É O GRANDE DESAFIO DA UNIVERSIDADE PÚBLICA HOJE - bem como terão seguimento as políticas de garantia do efetivo preenchimento das vagas reservadas aos setores sociais e grupos identitários historicamente desfavorecidos.

No ensino, terão prosseguimento diretrizes inclusivas, como a que prevê disciplinas sobre relações étnico-raciais e história das populações afro-brasileiras nos cursos de graduação, que hoje já alcançam parcela significativa de nossos cursos, mas que devem atingir a totalidade. A busca incessante por qualidade no ensino se expressará, entre outras ações, na intensificação das ações de formação e capacitação docente, de modo que a UFBA possa continuar melhorando seu desempenho nas avaliações oficiais da educação superior, alavancando o regular e significativo avanço alcançado ao longo dos últimos oito anos.

Outra meta ambiciosa, em que ensino e extensão estarão fortemente articuladas, será a curricularização das atividades extensionistas, que, por determinação recente do CONSEPE - Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, tornaram-se obrigatórias em pelo menos 10% da carga horária dos cursos de graduação de nossa Universidade. Fundamental para a concretização dessa política será, certamente, um amplo e franco debate acerca da regulamentação das atividades de extensão nos diversos cursos, a fim de contemplar as peculiaridades da interlocução entre universidade e sociedade em cada área do conhecimento.

A pesquisa também terá pela frente grandes desafios. A promoção de condições para o intercâmbio nacional e internacional de pesquisadores de diversas áreas e em diferentes estágios da carreira é certamente um objetivo essencial, alvo de novas ações e expansão das já existentes, a exemplo do Capes PrInt e dos editais de Professor Visitante. Nesse sentido, são fundamentais tanto os laços e parcerias com instituições e pesquisadores de outros países, quanto as ações internas de visibilização de chamadas e resultados de pesquisa, além das políticas de capacitação acadêmica e linguística para democratização do acesso a bolsas e financiamentos. Projetos em curso financiados por agências de fomento continuarão sendo geridos com o zelo e o diálogo característicos da gestão anterior, e novas propostas serão incentivadas, respeitando a tradição de excelência em pesquisa nas diversas áreas da UFBA, mas sem jamais descuidar da isonomia necessária para o equilíbrio e a unidade da Universidade. A pesquisa na UFBA não há de aprofundar hiatos, criar guetos nem promover exclusões, devendo-se reafirmar o compromisso com a melhoria horizontal das notas dos programas nas avaliações oficiais da pós-graduação.

O diálogo entre pesquisa e relações internacionais será certamente fortalecido, beneficiando-se de ações como o estímulo à chamada "internacionalização em casa", por meio de cursos virtuais sobre cultura brasileira oferecidos em língua estrangeira a várias universidades no mundo, e do desenvolvimento de estratégias para aumentar o número de estudantes em intercâmbio, com cada vez mais intercambistas dos setores sociais historicamente desfavorecidos.

Na área administrativa, em que pese a conhecida retração orçamentária que a Universidade Pública enfrenta – que, acumulada ao longo dos últimos anos, será de difícil reversão a curto prazo, mesmo no cenário mais otimista – , a UFBA seguirá enfrentando com firmeza e inteligência os desafios relacionados à segurança dentro e no entorno dos campi; aprofundará as ações de eficiência em gestão de contratos e fiscalização de serviços; manterá a responsabilidade com a coisa pública nos processos de aquisições de bens se serviços, procurando antecipar cenários e executar seu planejamento com racionalidade; e procurará avançar ainda mais na a gestão eficiente dos serviços de arquivos e documentação, transporte, logística, contabilidade e finanças.

Adversidades orçamentárias tampouco farão a Administração Central descuidar da manutenção preventiva e corretiva de seus 187 prédios, estacionamentos, vias de acesso e áreas verdes, como já vem ocorrendo. A diretriz de priorizar o término de obras já iniciadas – que na gestão anterior resultou em mais de 75% de conclusão das construções encontradas inacabadas no início do mandato – será, sem qualquer dúvida, mantida.

Concluir obras e zelar por prédios e outras áreas comuns é não é um objetivo em si mesmo, senão um meio de cuidar das pessoas que ocupam o espaço físico da Universidade: nossos mais de 60 mil estudantes, professores, técnicos e terceirizados. Na área de gestão de pessoas, a Administração Central segue comprometida com a implementação dos turnos contínuos, bem como com a discussão responsável acerca das novas modalidades de realização do trabalho técnico-administrativo, sem perder de vista a necessidade de criação de condições que estimulem a ocupação presencial da Universidade – algo fundamental, seja para o restabelecimento da saúde da comunidade, abalada pelo isolamento no período da pandemia, seja para a defesa do patrimônio da instituição, que, se esvaziado, torna-se mais vulnerável, inclusive, ao escuso assédio da especulação imobiliária. No mesmo sentido, faz-se necessária a realização de um debate crítico de modo a se chegar a um marco regulatório que dê conta da utilização, na justa e necessária medida, das possibilidades aportadas pela EAD.

Atenta aos desafios e necessidades impostos pelo rápido desenvolvimento das novas tecnologias digitais, a UFBA seguirá ampliando, na medida do possível, investimentos em atualização de infraestrutura e modernização de equipamentos e sistemas. Terão prosseguimento, de modo mais imediato, a implementação de um novo sistema de gestão da graduação, o SIGAA, já adotado, com sucesso, na pós-graduação; e as adaptações tecnológicas necessárias para confecção do diploma digital e consolidação dos sistemas de processo eletrônico (UFBAPEN) e gestão de pessoal (SIGRH).

Visando à melhoria da capacitação e condições de trabalho, serão apresentados um programa de desenvolvimento continuado para gestores, atuais e futuros, nos diversos níveis das áreas administrativa e acadêmica; e um planejamento estratégico para políticas de qualidade de vida e saúde no trabalho. Atenta à necessidade de preencher com celeridade vagas ociosas em seu quadro funcional, a UFBA continuará atuando de forma diligente na realização de concursos técnico-administrativos e docentes, sem deixar de lado o diálogo e a luta política em favor de um novo ciclo de expansão de códigos de vagas e investimentos.

Na medida em que cada uma dessas metas se converta em uma nova realização, a comunidade precisará, cada vez mais, tomar conhecimento delas, bem como dos principais resultados de nossa pesquisa, nosso ensino e nossa extensão. Para isso, a comunicação institucional e a produção editorial da UFBA deverão ser cada vez mais fortalecidas, de modo a melhorar as condições para a produção de notícias, campanhas informativas e publicações compatíveis com o que há de melhor na atualidade. E, por fim, fiquemos tranquilos: não deixaremos de nos encontrar anualmente para celebrar toda a nossa produção acadêmica e nossas grandes realizações no precioso Congresso da UFBA, esse evento luminoso e acolhedor, que coloca a UFBA em diálogo consigo mesma e com a sociedade baiana e brasileira – e que já tem lugar cativo no coração de cada membro de nossa comunidade.

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Avançar na realização de todos esses desafios – os já existentes, que não são poucos, e os que estão por vir, todos eles próprios de uma instituição viva, carente de recursos e em permanente transformação – não é tarefa simples. Qualquer gestor de uma instituição de 76 anos herdaria grandes desafios, mas é sorte de poucos (ou talvez, suspeito, uma grande sorte exclusivamente minha) herdar também as tantas virtudes legadas por uma gestão que entregou, além de um memorável conjunto de realizações, a casa arrumada, as contas organizadas, as relações harmonizadas (sem prejuízo de nossa salutar polifonia), enfim, a aura da Universidade restaurada.

(Prof. João, aproveito para saudar os resultados preliminares da Avaliação Quadrienal da CAPES divulgados no dia 02 de setembro, fruto do trabalho de sua gestão, estando à frente da PROPCI os professores Olival Freire e Sérgio Ferreira)

A gestão que se inicia herda, sem sombra de dúvida, a melhor condição possível para que um novo reitorado, tendo a sorte de encontrar condições político-econômicas mais favoráveis no país, possa avançar em tudo aquilo que não se conseguiu realizar nos últimos oito anos. Mas herda, principalmente, a alegria de poder dar continuidade a uma forma horizontal, franca, responsável, isonômica e transparente de gerir a coisa pública.

O imensurável conjunto de dificuldades por que nossa Universidade passou nos últimos anos foi também uma oportunidade para que ela se unisse. E a unidade que a UFBA conquistou nesses oito anos foi resultado de um árduo e incessante trabalho de diálogo, em que a escuta às necessidades da comunidade encontrou uma firme capacidade de liderança, capaz ora de encaminhar respostas imediatas, ora de explicar as razões pelas quais uma ou outra solução não era possível. E assim a UFBA soube conversar, soube sopesar os múltiplos e legítimos interesses vocalizados por grupos, unidades ou áreas de atuação, sem quebrar a balança comum a todas elas: a Universidade. Portanto, se, nos últimos anos, as decisões do Conselho Universitário foram tomadas quase sempre por unanimidade, certamente não se tratou da “unanimidade burra” da máxima rodriguiana – ao contrário, verdadeiramente burra é a incapacidade de enxergar a urdidura de interesses e ponderações contida em cada decisão tomada coletivamente, síntese das vozes de cada um dos conselheiras e conselheiros, no uso sóbrio, racional e responsável de sua parcela de poder em nome desse grande ente coletivo que é a Universidade Federal da Bahia. Não foi pouco o que a UFBA conseguiu inventar nos últimos anos sob sua liderança, Reitor João Carlos Salles, meu caro amigo e irmão João: seu reitorado ousou inventar, com sucesso, uma unanimidade inteligente.

Seria, contudo, demasiado pesado estabelecer para a gestão que se inicia a unanimidade como meta. O que não podemos perder, contudo, é a capacidade de conversar, de dialogar com franqueza, consolidando a maturidade institucional conquistada nesses anos difíceis. Afinal, se os tempos de penúria podem ter favorecido, em alguma medida, a construção dessa unidade, tempos de bonança – E ESTES, TERÃO QUE VIR. E QUE CHEGUEM JÁ; COMO JÁ CANTOU O MADRIGAL, “AMANHÃ SERÁ OUTRO DIA” – repito, tempos de bonança podem sim colocá-la em xeque se, em vez de uma direção e racionalidade comuns, esgarçarem-se os ânimos e interesses particulares – emanados de pessoas ou grupos – em detrimento do sentido de universalidade, da generosidade face às desigualdades internas, da busca por um ideal coletivo. A Universidade deve ser sempre, portanto, um projeto coletivo, a resultante equilibrada da soma de todas as realizações particulares dos membros e grupos que integram sua comunidade; jamais palco da disputa fratricida, tampouco meio, escora ou trampolim para essas realizações.

E qual deve ser nosso ideal coletivo? Permitam-me, aqui, reafirmar o bordão do manifesto de nossa campanha à reitoria: a aposta no ensino, pesquisa e extensão de qualidade, de forma pública e gratuita, com gestão transparente e cuidadosa, inclusão social e combate continuado a todo tipo de desigualdade. Ora: se estamos de acordo em torno da ideia de que a Universidade é um projeto de longa duração de um futuro de conhecimento e liberdade para nossa sociedade, não há que se pretender inventar a roda a cada transição de gestão. Mais razoável é, sim, reafirmar a perenidade dos valores que regem essa instituição, e trabalhar, quase sempre silenciosa e eficazmente, para proporcionar à comunidade universitária a melhoria contínua de suas condições de trabalho e estudo, favorecendo, consequentemente, a excelência de seus resultados no ensino, na pesquisa e na extensão. Não é necessariamente um Reitor, nem um reitorado, que inova em quatro ou em oito anos: quem verdadeiramente inova – e inova a cada dia – é cada membro e cada coletivo que compõe a comunidade universitária, desde que dotado das condições necessárias para realizar seu trabalho.

É portanto desses princípios e desse ideal que emergem nossa força para resistir, reagir e lutar, com coragem e altivez, sempre que nossa casa se vir desrespeitada ou atacada. Nossa luta contra o obscurantismo e pela democracia, por uma universidade plena e verdadeiramente universal em todas as áreas da ciência, da cultura e das artes será contínua e incessante.

Repito uma vez mais e sempre:

NÃO SEREMOS REFÉNS DO ABSURDO!

NÃO SEREMOS CÚMPLICES DA DESTRUIÇÃO!

JAMAIS SEREMOS SERVOS DA BARBÁRIE!

É em nome desse conceito de Universidade e com esta disposição de luta que trabalharemos para obter mais recursos junto a agências de fomento, governo e Parlamento, se possível ampliando também a captação de receitas próprias, para seguir concretizando sua expansão. É em nome de um sonho coletivo que conjuga excelência acadêmica e inclusão social – esse binômio ambicioso, que assusta os corações reacionários – que continuaremos trilhando o caminho luminoso iniciado em 1946 pelo reitor Edgard Santos. É o nome da UFBA que tenho agora a honra de representar, como seu primeiro e mais humilde servidor, seu mais zeloso gestor, seu mais dedicado defensor, ao longo dos próximos quatro anos. Obrigado, Universidade Federal da Bahia. Podem contar comigo!

Declaro aberto este reitorado. Está encerrada esta cerimônia.