Pegue quatro jovens universitários, proporcione-lhes boas oportunidades de estudo, ajude-os a amadurecer dando-lhes a chance de experimentar a vida fora do país e de adquirir experiência e know-how estagiando em grandes empresas. Depois, estimule-os a criar uma “start-up” (empresa de jovens empreendedores para desenvolver ideias inovadoras). A receita não tem erro, e dá resultado ligeiro, em forma de criatividade, altivez e competência.
Peneirado entre os 441 projetos de todo o Brasil inscritos no desafio “Renault Experience 2.0” – e, cá para nós, com grandes chances de passar para a próxima fase, que selecionará os 10 melhores projetos – o “Smart Security” é um “alarme proativo”. Trata-se, grosso modo, de um aplicativo que avisa ao dono do carro, em tempo real, se ele esqueceu alguém (como uma criança ou um animal) dentro do veículo; alerta imediatamente sobre furtos e roubos; e envia mensagens a números cadastrados (como Polícia, serviços de emergência, como SAMU, familiares e amigos) em caso de acidente. O conceito fundamental por trás da ideia é a chamada “internet das coisas”, noção que prevê que, cada vez mais, não apenas as pessoas, como os objetos estarão conectados em redes inteligentes.
Os quatro pais do projeto cursam entre oitavo e décimo semestres dos cursos de engenharia mecânica e engenharia de controle e automação de processos. Seus nomes: Victor Cavalcanti, Lucas Bastos e Henrique Amorim – os três de 23 anos, da engenharia mecânica – e Vitor Reis – de 24 anos, da engenharia de controle e automação. Além do talento e da amizade, têm em comum currículos bastantes robustos para a pouca idade, que já anotam períodos de ao menos 1 ano letivo estudando em universidades estrangeiras (na Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos) com bolsa do extinto Programa Ciência Sem Fronteiras, e também a experiência de quem conhece as entranhas do funcionamento de grandes empresas, como Ford, Braskem, Chemtech, Bosch, Continental Pneus e Andrade Gutierrez, onde atuam ou já atuaram como estagiários.
A ideia do Smart Security surgiu de um estalo inicial de Henrique, que, após ler que nos Estados Unidos, a cada 9 dias, uma criança morre após ser esquecida no interior do carro pelos pais, pensou que poderia existir um sistema inteligente capaz de detectar movimento no interior do veículo e enviar uma mensagem ao motorista desatento, impedindo assim uma tragédia. Henrique chamou os amigos de longa data Lucas e Victor para colar no projeto. E os três foram apresentados a Vitor pelo “padrinho” do grupo, o professor da Politécnica Ednildo Torres – afinal, alguém precisava sacar mais a fundo de sistemas de automação para fazer a coisa funcionar.
Inscrita a ideia, em setembro do ano passado, no Renault Experience 2.0, os quatro rapazes mobilizaram conceitos da área de empreendedorismo e começaram a tirar a ideia do papel. O concurso da montadora francesa é uma dessas peneiras de projetos inovadores e baratos a que grandes empresas submetem jovens talentos universitários, em troca de aconselhamento técnico e oportunidade de desenvolver a ideia com acompanhamento e, no caso dos vencedores, estrutura profissional e mesmo algum dinheiro, uma vez que os três melhores projetos ganharão R$ 30 mil e um mês para ser desenvolvidos na incubadora Hot Milk, em Curitiba. E nada disso implica em cessão da propriedade intelectual do produto, que permanece sendo dos quatro garotos.
O primeiro passo do desenvolvimento do projeto foi o “shadowing”, ou seja, o monitoramento, por algumas horas, do comportamento dos motoristas ao dirigir, visando entender melhor os detalhes de seus hábitos, antes de fechar a primeira ideia do produto. “Todos nós passamos algumas manhãs acompanhando alguém dirigindo, só observando e anotando. Podíamos conversar um pouco [com o motorista], mas o importante era que a pessoa não soubesse por que estávamos ali, nem o que estávamos observando, para não mudar a atitude normal”, explica Vitor.
Em seguida, eles fizeram uma uma pré-validação do produto no mercado, que na prática significou sair às ruas entrevistar cerca de 200 pessoas aleatoriamente, para medir a aceitação da ideia e ouvir sugestões para incrementar o produto de acordo com as necessidades dos potenciais clientes. A aceitação em geral foi positiva, mas, nas respostas do público, os estudantes notaram a necessidade de atender a duas fortes demandas em que eles não haviam pensado, ambas relacionadas à sensação de insegurança na vida urbana: “Mas e se roubarem meu carro?” “Mas e se eu sofrer um acidente?” – costumavam responder os entrevistados.
A partir do que ouviram nas ruas, o grupo fez a chamada “pivotagem”, ou seja, modificações no projeto, incorporando outras funcionalidades à ideia inicial. Em síntese, o Smart Security é uma caixinha que reúne cinco sensores: de movimento interno (ultrassom); de deslocamento (acelerômetro, que detecta movimento do carro); de acidentea (que detecta o acionamento do airbag); de travas (conectado ao alarme tradicional do carro); e de acionamento do carro (conectado ao contato do veículo). Os cinco sensores são ligados a uma placa de processamento do tipo “arduíno” (comumente utilizada para o desenvolvimento de protótipos) e alimentados pelo sistema elétrico do próprio veículo. Tudo isso é ligado a um módulo GSM (a tecnologia de integração dos celulares à rede de telefonia via chips) responsável pela transmissão das informações aos usuários, que as recebem por meio de um aplicativo.
Entretanto, no mundo dos empreendedores, ter uma boa ideia não é tudo: é preciso dividir bem as tarefas, para a coisa sair do papel, e, principalmente, saber comunicar essa boa ideia ao público – o famoso “vender o peixe”.
Nesse sentido, a primeira coisa foi assumir, sem vergonha, a linguagem empresarial. Saíram de cena os quatro meros estudantes, para dar lugar a um Chier Product Officer (Lucas) e um Chief Technology Officer (Vitor), mais diretamente ligados ao desenvolvimento tecnológico do produto, municiados por um Chief Financial Officer (Henrique), que cuida da viabilidade financeira do projeto, e um Chief Executive Officer (ou CEO, função designada a Victor), que reúne funções de líder empresarial e relações públicas. “Os mentores da Renault nos elogiaram não apenas pela criatividade, mas pela sintonia com que trabalhamos, algo que eles percebem na nossa capacidade de cumprir prazos com qualidade”, resume Victor.
E para vender o peixe, os quatro produziram um site com uma aparência deveras profissional, onde eles explicam a ideia com textos, ilustrações e vídeos – tudo fruto de uma produção caseira que não deixa nada a dever na comparação com sites de grandes empresas. Caseira com cara de profissional e, sobretudo, econômica: diante de orçamentos caros enviados por profissionais da área de comunicação, os rapazes decidiram fazer roteiros, filmagens e mesmo encenações por conta própria. Resultado: gastaram, com tudo (site e vídeos), cerca de dez vezes menos que os valores orçados. Deram o recado direitinho e, de quebra, legaram ao mundo corporativo atuações cinematográficas dignas de Oscar. Quem estiver duvidando, que confira em www.smartbahia.com. E que venham as próximas ideias.
Fonte: EdgarDigital