Início >> Ufba Em Pauta >> Oitiva da comissão da Verdade revela prejuízo acadêmico dos depoentes

Oitiva da comissão da Verdade revela prejuízo acadêmico dos depoentes

Carreiras foram afetadas pela ditadura

 

 

A quinta oitiva da Comissão Milton Santos de Memória e Verdade da Universidade Federal da Bahia (UFBA) recebeu na última terça-feira (18/03), depoimentos de Fernando Passos, Marcelo Cordeiro e Filemon Matos, mediados pela integrante do comitê, professora Ilka Bichara. Alunos da Universidade à época do regime militar, os  depoentes revelaram experiências violentas e arbitrárias pelas quais passaram, em razão de terem defendido ideias contrárias às propagadas pela política hegemônica do poder civil-militar da época.

Todos eles tiveram suas carreiras acadêmicas atingidas num tempo muito próximo ou concomitante ao Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, lastro do decreto-lei nº 477 que passou a vigorar a partir de fevereiro de 69. Este decreto definia “infrações disciplinares” de professores, alunos, funcionários ou empregados de instituições educacionais públicas ou privadas, pelas quais seriam punidos.

 

Fernando Passos

Ao depor, Fernando Passos, ativo militante da Ação Popular, disse que o maior crime cometido pelo regime de chumbo contra ele não foi o de tê-lo preso quando participava do 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) em Ibiúna (SP). Seu maior ressentimento foi o de ver impedido o sonho de ter se tornado urbanista. Com o seu nome já impresso nos convites da formatura do curso de Arquitetura, em janeiro de 1969, recebeu a notícia de sua cassação não se sabe de onde. O então estudante e segundo representante dos estudantes no Conselho Universitário creditou o ocorrido à antipatia do reitor Roberto Santos à sua pessoa, em função das recorrentes críticas que fazia à administração pelo ‘hábito’ de entregar páginas e páginas de documentos somente às vésperas de quando seriam discutidos.

 

Marcelo Cordeiro

Marcelo Cordeiro, aluno aprovado em segundo lugar para o curso de Direito da instituição, e pouco mais tarde em primeiro no de Filosofia, teve suas matrículas cassadas em 1969. Foi forçado a abandonar sua formação nos 4º e 2º anos dos respectivos cursos. “Depois da cassação de meus direitos estudantis, passei a uma intensa militância política.” De lá para cá, o radialista e escritor Marcelo Cordeiro iniciou-se na esquerda independente, partindo em seguida para integrar os quadros do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Presidiu a União dos Estudantes da Bahia (UEB), a Frente Universitária Progressista (FUP), foi subsecretário geral no governo Fernando Henrique Cardoso, deputado federal por três mandatos consecutivos (1978-1991), além de vereador de Salvador entre 1976 e 1978.

Quando ele olha para o que foi vivido pela sociedade brasileira, e em particular pela juventude naquela época, compreende a democracia como o princípio de tudo - a garantia das liberdades.  “O essencial para o espírito democrático é a capacidade de rever, orientado pela noção de aprofundamento da vida em liberdade.” Cordeiro chama a atenção para o fato de que os militares buscaram atingir os instrumentos de ação política estudantis, fragilizando a possibilidade de representação legítima de seus interesses cotidianos, razão pela qual a primeira reivindicação do Manifesto da FUP era a luta pelo reconhecimento e legalização da UNE.

 

Filemon Matos

Colega de Cordeiro na Frente Universitária, Filemon Matos começou sua militância ainda no ensino secundário em Itapetinga, no ginásio Alfredo Dultra. Ali, filiou-se ao PCB. Para Filemon “o AI-5 inaugura no Brasil a mais cruel das ditaduras”. Foi presidente da UEB e, em Economia, foi o superintendente da gráfica da faculdade destruída por militares, como relatado por Manoel Castro em oitiva precedente. Cassado pelo decreto 477, ficou dois anos sem estudar.  Foi recolhido ao 19º Batalhão de Caçadores (19 BC), quando teve seu cabelo cortado pelo general Abdon Sena, fato que o fez se sentir gratuitamente agredido. “A violência vinha do nada. Ele pegou meu cabelo com uma violência e pediu para trazer na hora a máquina zero para raspar minha cabeça”, conta. Naqueles dias, nem suas recorrentes crises de epilepsia lhe aliviavam a experiência.