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Ações afirmativas para maior diversidade na universidade

políticas de permanência devem atuar em vários campos

Uma forte necessidade de aprofundar as ações afirmativas e caminhar para além da reserva de vagas - essa foi a tônica geral da mesa Ações Afirmativas e Universidade, que aconteceu na manhã desta sexta-feira no Congresso da UFBA. A pró-reitora de Assistência Estudantil, Cássia Maciel, apresentou ao público um documento inédito, a Proposta de Minuta da Política de Ações Afirmativas da UFBA. Cássia traçou um breve histórico destas políticas na universidade (a UFBA conta com sistema de cotas desde 2005) e a necessidade de implementar um sistema de reserva de vagas e assistência estudantil também na pós-graduação, abrangendo identidade étnico-racial e de gênero. Pontuou ainda que as políticas de permanência devem atuar não apenas no campo material (envolvendo questões como bolsas, moradia, alimentação, etc.) mas também no campo simbólico.

Dentre as questões que aí se colocam, estão o preparo da instituição para trabalhar com estudantes indígenas; o uso do nome social e a utilização dos banheiros por identidade de gênero; a linguagem neutra em todas as resoluções e documentos oficiais da UFBA, dentre outras medidas inclusivas e de respeito à diversidade. A pró-reitora, que é também servidora técnico-administrativa da universidade, defendeu que estas pautas não dizem respeito somente aos estudantes, mas a todos os trabalhadores da instituição, inclusive os terceirizados.

A segunda convidada, professora Matilde Ribeiro, reitora da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB) e ex-secretária da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) no Governo Lula, relembrou como as lutas por ações afirmativas no Brasil provocaram reações contundentes e conflituosas. Não faltaram acusações de que a adoção das cotas provocaria queda da qualidade de ensino e acirramento de conflitos raciais. Falou do processo de construção dessas políticas, e da necessidade de se avançar para o enfrentamento dos próximos desafios. “Diante da ampliação desses setores historicamente discriminados, como relacionar ensino, pesquisa e extensão com a vida fora da universidade?”, questionou Matilde Ribeiro, apontando a necessidade de se pensar na condução desse contingente de forma a garantir maior acesso ao mercado de trabalho e à vida pública. Denunciou ainda a impermeabilidade dos currículos, produtos da formulação de setores conservadores que estruturam sistemas de poder dentro das instituições, e a necessidade de inserir os debates de gênero, superação do racismo e outras questões, dentro destes currículos.

A professora Paula Barreto, coordenadora do programa A Cor da Bahia, apresentou uma série de estatísticas mostrando que a maioria da população universitária não está nas universidades públicas. Ao observar que as ações afirmativas costumam se concentrar na graduação, nas universidades públicas e na questão do acesso, disse: “Não podemos ignorar o que acontece nas instituições particulares porque é lá que está a massa dos estudantes”. Alertou ainda para o forte risco de interrupção do Prouni. Também abordou a necessidade de se construir politicas de pós-permanência, envolvendo graduação e pós-graduação, além de ações para uma maior diversidade no corpo docente, como as que ocorreram nos EUA e na África do Sul. “Precisamos de uma decisão institucional para avançar neste momento em que passamos de uma década de experiências de ações afirmativas na UFBA”.

A professora Márcia Tavares, do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (NEIM) passou a centrar o debate em torno das políticas para as mulheres na universidade. Desabafou que muitas questões são mascaradas, silenciadas e discutidas apenas por minorias. Relatou parte das batalhas para trazer a transversalidade de gênero e étnico-racial para a grade curricular de todos os cursos, e denunciou a morosidade e a resistência que tem enfrentado ao tentar imprimir essa transversalidade no projeto pedagógico do curso de Serviço Social. Confessou que questões cristalizadas são difíceis de serem mudadas, e que é necessário que as pessoas saiam da zona de conforto. Pontuou que para bom funcionamento do uso do nome social, por exemplo, é preciso capacitar os servidores técnicos que atendem esse alunado. E questionou: “De que mulheres estamos falando? Não existe a mulher universal”, indicando a necessidade de conhecer melhor esse público em toda a sua diversidade.

A fala de Viviane Vergueiro trouxe outros enfoques ao debate. Mulher trans, pesquisadora do CUS (grupo de pesquisa em Cultura e Sexualidade), Viviane ressaltou a necessidade de se aprofundar as políticas de acesso e permanência de pessoas trans na universidade. Ecoou a memória dos estudantes recentemente assassinados, vítimas de homofobia, e desabafou: “Muitas vezes a nossa luta é uma coleção de obituários”. Destacou que para a comunidade LGBT ainda é uma questão crítica a sobrevivência nos diferentes espaços sociais, a necessidade de se resguardar de agressões que vem se acirrando com o crescimento do fascismo e da intolerância. Pontuou ainda a necessidade de uma descolonização epistêmica, denunciando que a universidade tem déficits teóricos por conta de suas ausências históricas, ligadas a raça, gênero e diversidade sexual. “Precisamos transformar os currículos para que sejam úteis às nossas comunidades”.

A professora Rosângela Araújo, também do NEIM, fez uma colocação importante: “Nenhum programa de ações afirmativas se sustenta se abre suas portas para ‘o diferente’, mas nada do que vem com ele entra junto”. Sublinhou a necessidade de desmontar o epistemicídio dos saberes afroindígenas, e compreender o sistema escolar como uma comunidade de conhecimento inserida no contexto de outras comunidades de conhecimento. Denunciou ainda a privatização do conhecimento operada através das politicas de financiamento de pesquisas, publicação e avaliação, protestando: “Nossa vida não cabe no lattes”. Mostrou indignação com as tentativas de supressão das epistemologias étnico-raciais e de gênero orquestradas por movimentos como o Escola sem partido e outros, como parte de um plano de enquadramento e esvaziamento dos temas arduamente construídos pela militância dos setores populares.

Outra contribuição importante veio da professora Denise Vieira, Ouvidora da UFBA. Ela denunciou de forma contundente o capitalismo acadêmico afirmando que “a era de subjetividade neoliberal que vivemos está permeada de valores de competição, dominação, individualismo e egoismo social, propiciando a emergência de comportamentos fascistas”. Apontou que é necessário pensar na sociabilidade dentro e fora dos muros da universidade, e que a quantificação da pesquisa (simbolizada pela máxima “publique ou morra”) promove uma marginalização da docência.

A UFBA mudou bastante nesta derradeira década, saltando de cerca de 20 mil estudantes em 2006 para quase 34 mil em 2016. Sua composição étnico-racial e de classe também mudou significativamente, graças à política de reserva de vagas. A diversidade de sua população, entretanto, a conduz a outros desafios, e a riqueza deste debate aponta para os caminhos de sua superação.