Um estudo do grupo do Laboratório de Pesquisa em Infectologia (LAPI) da UFBA, em colaboração com universidades e laboratórios europeus, demonstrou, através de modelagem matemática e pesquisas de campo, que a possibilidade de um surto de Zika similar ao episódio de 2015 a 2016 é altamente improvável em futuro próximo. A pesquisa estima que o Zika atingiu seu potencial máximo de contaminação em apenas um ano e essa proteção imune “coletiva” seria suficiente para conter o surto e impedir que aconteça novamente até que a população atual tenha sido substituída por novos nascimentos ou pela migração.
“Devido à taxa altíssima de infecção no período de um ano, e de acordo com modelo matemático desenvolvido em colaboração com uma equipe do Reino Unido, podemos afirmar que a possibilidade de um novo surto é muito pequena. Muitas pessoas já adquiriram imunidade com o primeiro surto”, diz o professor de Infectologia da Faculdade de Medicina Carlos Brites, coordenador da pesquisa que resultou em um artigo publicado na terça-feira, 14 de novembro, na mBio, periódico científico da Sociedade Americana de Microbiologia.
O estudo foi realizado com 633 pessoas, entre elas 19 mulheres grávidas com bebês com microcefalia e 257 mulheres com bebês saudáveis, 540 pacientes com AIDS e 55 pacientes com tuberculose, todos pacientes do Hospital Universitário Professor Edgard Santos (Hupes), antigo Hospital das Clínicas, e 39 funcionários saudáveis da UFBA.
O surto de Zika representou uma enorme preocupação para os baianos, principalmente mulheres grávidas, em 2015 e 2016, e tornou-se rapidamente caso de emergência na saúde pública. No país, foram milhares de casos reportados, principalmente no Nordeste, e ainda é muito difícil estabelecer dados qualitativos e quantitativos precisos sobre a incidência da doença que evoluiu para uma epidemia internacional e foi decretada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) uma emergência mundial de saúde pública, uma vez comprovada a relação entre a infecção materna por Zika e o nascimento de bebês com microcefalia e outras sequelas.
O grupo de 23 pesquisadores da UFBA, em colaboração com cientistas das universidades de Bonn, Heildelberg e do Instituto de Saúde de Berlim, na Alemanha, da Escola Francesa de Saúde Pública, em Marseille, e da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, analisou amostras antes, durante e depois do surto de Zika. Essa análise resultou em um mapa da incidência do vírus na capital da Bahia, com a impressionante prevalência do vírus em 63% da população.
A razão para o grande número de casos de Zika e também de Chikungunya em Salvador e no Nordeste ainda é desconhecida. Esse mapa demonstrou que a incidência de Zika associado com microcefalia é maior em áreas com piores condições socioeconômicas, corroborando relatos anteriores que demonstravam uma quantidade maior de casos no Nordeste, a região brasileira com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mais baixo do país.
As universidades alemãs fizeram o teste de neutralização, um recurso que a UFBA ainda não usa em sua rotina. A equipe de Londres fez toda a parte da modelagem matemática e o contato com essa universidade se deu através de um ex-aluno do professor Carlos Brites, Jan Felix Drexler, um dos autores do artigo e reconhecido virologista, que já havia trabalhado com ele no LAPI. Os demais integrantes do estudo estão ligados pela rede ZikAlliance, que reúne pesquisadores e universidades do mundo inteiro. “Utilizamos as colaborações internacionais nesses pontos em que tivemos mais dificuldades”, explica Brites, graduado em medicina, mestre e doutor pela UFBA e com um pós-doutoramento na Universidade Harvard.
Os pesquisadores sugerem que a prevenção do Zika deve começar com as populações em piores situações econômicas, além de recomendar estudos em outras regiões do país para entender se os surtos também aconteceram fora do Nordeste. Propõem ainda que novas pesquisas focadas em microcefalia e outras doenças congênitas, para entender melhor sua relação com a infecção por Zika.
Vale registrar que o LAPI, o laboratório da UFBA hoje conduzido por Brites e inaugurado em 1990 como parte de um projeto de pesquisa sobre AIDS, a par de ser considerado um centro de excelência em pesquisa científica, tornou-se uma das maiores referências do estado da Bahia no diagnóstico e na realização de testes prognósticos da evolução da infecção do HIV e HTLV, além de doenças tropicais.
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