Um surto de febre amarela silvestre no Brasil, como há décadas não se registrava, tem chamado a atenção do governo, de profissionais de saúde pública e da sociedade. Para debater o assunto, especialistas de renome nacional se reunirão no auditório do Instituto de Saúde Coletiva (ISC) da UFBA, no dia 07/04, às 9h, no seminário “Febre Amarela: Situação Atual e Dificuldades de Controle”. O evento é promovido pela Reritoria da UFBA, pelo ISC e pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), e terá transmissão ao vivo através do link http://aovivo.ufba.br/saude.
Entre dezembro passado e meados do mês de março, pelo menos 162 pessoas morreram vítimas de febre amarela no país, segundo o Ministério da Saúde (MS), que já confirmou 492 casos da doença e ainda investiga outras 1101 notificações. Trezentos e trinta e nove municípios de 17 estados das cinco regiões registraram nesse período 2104 notificações de casos suspeitos da doença (23,4% confirmadas até agora), o que levou o ministério a enviar 18,88 milhões de doses de vacina para serem aplicadas nos municípios considerados de risco.
“É o maior surto de febre amarela no país desde os anos 1980”, afirma a professora e pesquisadora do ISC Maria da Glória Teixeira, que coordena o evento. Ela pondera, contudo, que não se trata de um surto urbano da doença (que é mais grave, do ponto de vista epidemiológico), e sim do chamado surto silvestre, em áreas de floresta, que tem como principais vítimas os macacos. Os dados do MS apontam 387 casos confirmados de febre amarela em macacos (primatas não-humanos), e outros 432 em investigação em todo o Brasil.
As áreas com maior número de vítimas são as regiões norte e leste de Minas Gerais (375 casos confirmados, com 197 mortes) e o centro-sul do Espírito Santo (109 confirmações, com 57 mortes). Dez pessoas no Rio de Janeiro e uma em São Paulo também morreram vítimas da doença.
Na Bahia, 22 casos foram notificados em 15 municípios, mas até agora nenhum foi confirmado: 11 foram descartados, outros 11 seguem em investigação. No dia 29/03, a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) informou que foram encontrados quatro macacos mortos por febre amarela em Salvador, nos bairros da Vila Laura, Paripe e Itaigara. O fato levou a Sesab a intensificar a vacinação contra a doença, disponibilizando 2 milhões de doses.
No seminário, Eduardo Hage, do Instituto Sul Americano de Saúde de Governo em Saúde (Isags) abordará a “Situação atual” da doença; Pedro Luis Tauil, da Universidade de Brasília, falará sobre “Aspectos críticos do controle e risco de reurbanização”; Pedro Fernando Vasconcelos, do Instituto Evandro Chagas (do Pará, ligado ao MS) tratará da “Definição de áreas de risco: Vigilância de Epizootias e Diagnóstico Laboratorial”; e Reinaldo de Menezes Martins, do Biomanguinhos/Fiocruz-RJ abordará a “Vacina 17D: Perspectiva de Redução de Efeitos Adversos Graves”.
Silvestre x urbano
Glória Teixeira explica que não se trata de um surto urbano, que tem como vetor de transmissão o mosquito Aedes aegypti (o mesmo que transmite doenças como dengue, zika e chikungunya) e não é registrado no Brasil desde 1942. Trata-se de um surto silvestre, cujos vetores são os mosquitos do tipo Haemagogus e Sabethes, que têm como habitat áreas de mata e florestas. Segundo a pesquisadora, até o momento, a epidemia tem afetado em geral pessoas que adentraram ou vivem muito próximo a zonas de floresta e foram picadas por esses mosquitos.
Ela explica que, embora o vírus seja o mesmo nos dois tipos de surto, a contaminação do vetor urbano, o Aedes aegypti, não é um processo simples e rápido. Primeiro, é preciso que uma pessoa, após ter adquirido a doença em uma zona de mata, seja picada, pouco antes de adoecer ou logo nos primeiros dias da doença, por um mosquito Aedes aegypti. Em seguida, é preciso que parte do ciclo do vírus se processe no organismo desse mosquito (ciclo intrínseco), tornando-o capaz de transmitir o vírus a outras pessoas. “A transmissão da febre amarela não acontece de pessoa para pessoa, nem de macaco para macaco, nem de macaco para pessoa”, lembra Glória. Assim, não há nenhuma indicação de se eliminar macacos. A pesquisadora acredita que a resposta rápida do MS, com a intensificação da vacinação nas áreas de risco, deverá impedir o surto silvestre de se expandir para as áreas urbanas.
Paralelamente, primatólogos (especialistas em macacos e outras espécies de primatas) têm estudado a relação entre o desmatamento de áreas de floresta e os surtos da febre amarela. Uma das principais hipóteses é de que os desmatamentos, ao reduzir o tamanho do habitat natural dos macacos, acabam obrigando-os a concentrar-se em áreas menores. Mais concentrados, eles se tornariam presas mais fáceis para os mosquitos Haemagogus e Sabethes – que por sua vez, também por conta do desmatamento, tendem a encontrar circunstâncias mais propícias para proliferação.