Entrevistada pela repórter Kátia Borges para a edição de 26 de maio da revista Muito, que circula encartada, sempre aos domingos, no jornal A Tarde, a reitora Dora Leal Rosa falou sobre os diversos desafios por que passa a Universidade Federal da Bahia. Reproduzimos a seguir a integra da matéria:
"Firme e doce. É assim que Dora Leal, 64, reitora da Universidade Federal da Bahia, vai enfrentando as perguntas. Não recua diante de nenhuma, mesmo quando a resposta denuncia as fragilidades da instituição. Mestre em sociologia e doutora em educação, ela abre um largo sorriso ao falar da infância em Santo Amaro da Purificação, de onde saiu aos 11 anos para estudar em Salvador. A imagem que lhe vem à cabeça então é a da tradicional festa de fevereiro na cidade, na qual, criança, representou um anjo. Na capital, fez a sua vida acadêmica, uma rica trajetória entre a sociologia e a educação, que culminou na eleição para a Reitoria da Ufba, em 2010, onde vem tocando com pulso forte as obras do Reuni, Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais. “Temos uma grande demanda de recursos. Para concluir as obras do Reuni, precisamos agora de R$ 40 milhões”, diz. Mas não é só isso. Dora deseja mais, quer reformar toda a Ufba e investir em várias obras novas e fundamentais, como a Maternidade Climério de Oliveira. Para isso, já tem os cálculos feitos: R$ 390 milhões. Muito? “Parece, mas há muita coisa a ser feita”.
A Ufba formou este ano as primeiras turmas dos bacharelados interdisciplinares (BIs). Qual a atualidade dessa proposta?
Os BIs têm uma concepção que vem da Europa contemporânea e dos EUA, onde os estudantes têm uma formação mais generalista e uma certificação, podendo complementar seus estudos. A questão do bacharelado tem a ver com a compreensão contemporânea da formação do sujeito e do mercado de trabalho, que hoje exige maior flexibilidade. Ao final, os estudantes têm um diploma que lhes permite acesso ao mercado, mas podem continuar nos CPLs, que são os cursos de progressão linear, ou na pós-graduação.
Esses estudantes têm maior vantagem na continuação dos estudos na Ufba?
Sim. Estamos avançando agora na articulação das áreas de concentração dos BIs com os cursos profissionalizantes. No caso de medicina, por exemplo, quem fizer o BI de saúde terá algumas disciplinas do currículo de medicina. Queremos ampliar a aproximação entre a área de concentração e o currículo dos cursos profissionalizantes. A Pró-Reitoria de Graduação está trabalhando nesse sentido. Tudo é muito recente.
Qual o balanço que a senhora faz dessa primeira experiência?
A informação que estou tendo é que o reingresso está indo muito bem nesse primeiro semestre. Vinte por cento das vagas em cada curso ficaram reservadas aos BIs. Então, se o curso de medicina oferece 160 vagas, 32 delas foram preenchidas por alunos que vieram dos BIs.
Há muitas críticas em relação à contratação de professores substitutos. Qual o posicionamento da senhora?
Nosso posicionamento é firme e claro. Nós temos que ter nosso quadro de pessoal plenamente preenchido. Defendemos, e estamos sustentando isso junto ao MEC, que o quadro definido para a Ufba hoje é subdimensionado. Nosso quadro se expandiu apenas 15% com o ingresso no Reuni, mas expandimos as nossas vagas muito além de 15%.
Qual o déficit de professores?
Somando substitutos e temporários, cerca de 200 professores.
Como está a Ufba hoje em relação às verbas para pesquisa?
A Ufba expandiu seu corpo de doutores e tem tido uma captação importante em recursos. O orçamento que a universidade recebe para seu custeio não prevê financiamento à pesquisa. Mas, com o apoio do Conselho Universitário, conseguimos reservar este ano R$ 1 milhão para projetos que tivessem como tema a própria Ufba. Mas isso é pequeno, R$ 1 milhão em um orçamento de R$ 1,3 bilhão. Os recursos têm sido captados, em verdade, por meio de projetos elaborados por nossos professores-pesquisadores e financiados por agências de fomento e outras fontes. Temos áreas de competência reconhecidas, como saúde, energia e, em humanas, psicologia e antropologia; também a engenharia. A pesquisa é uma área em que crescemos, e esse crescimento é expresso não só pelo volume de recursos, mas pela quantidade de professores com bolsa de produtividade do CNPq.
E a interação com a comunidade?
Recentemente, a imprensa deu destaque nacional ao trabalho realizado no Hospital Edgard Santos. Temos uma pesquisa, do professor Gildásio Daltro, usando terapia celular para recuperação de massa óssea e a unidade de transplante de medula, que é a única no Estado que atende pelo SUS. Na área de educação, temos o projeto Nossos Vizinhos, em que a Faculdade de Educação desenvolve apoio pedagógico a 16 escolas municipais. E estamos, agora, cooperando com a comunidade internacional, por meio do programa de pós-graduação em educação, implantando no Timor Leste o primeiro mestrado em educação.
O que o Reuni representou para a comunidade acadêmica da Ufba?
No caso da Ufba, a ampliação expressiva das vagas. Temos, hoje, na graduação 34 mil estudantes. Em 2007, tínhamos cerca de 20 mil. Para a Ufba, o Reuni representou ainda a criação de novos cursos e a implantação do ensino noturno, que é uma das nossas grandes conquistas.
Quando a Ufba adotará o Enem como forma de acesso?
Bom, o Enem foi absorvido pela Ufba para ingresso dos BIs, desde 2009. No ano passado, propusemos ao Conselho Acadêmico de Ensino outras formas de acesso. Então, já em 2013, teremos a primeira fase do vestibular via Enem.
Qual a opinião da senhora sobre as cotas?
Eu vejo, e o STF confirma, que as universidades, ao propor o acesso por cotas, agiram dentro da lei. E, mais que isso, agiram numa dimensão social e política. As informações que tenho, seja como professora ou na condição de dirigente, é que os resultados são muito positivos.
Por que a Ufba, na avaliação trienal do MEC, com base no IGC, não figura entre as 20 primeiras universidades do País?
Olhe, temos aí uma questão a esclarecer. Quando o Sinaes – Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior – foi implementado, a avaliação dos cursos era feita por meio do Enade , e muitos alunos da Ufba se recusavam a fazer a prova. Hoje, estamos fazendo um trabalho no sentido de conscientizar os estudantes. Toda instituição precisa ser avaliada, e grande parte do fato de não figurarmos entre os 20 primeiros deriva da rejeição dos estudantes ao Enade. Mas há outros problemas. Esse índice é construído a partir de vários olhares, da prova e da visita que é feita à universidade por uma comissão de especialistas. Se nessa visita é verificado que não temos os laboratórios que deveríamos ter, que não temos o acervo bibliográfico, tudo isso é contabilizado.
Uma questão polêmica e recorrente é a segurança nos campi.
Veja, as últimas questões que nos foram colocadas não ocorreram no interior do campus, mas em seu entorno. Hoje, nossos campi têm um bom sistema de vigilância. O que acontece é que a cidade é insegura, e a Ufba, por sua própria natureza, é aberta. Não podemos impedir que as pessoas entrem, barrar as pessoas por parecerem “suspeitas”.
Quais as outras grandes preocupações desta gestão?
A infraestrutura, o espaço físico, as salas de aula, os laboratórios, os equipamentos, ter as bibliotecas com acervos renovados e a acessibilidade, física e pedagógica.
Há alguma proposta já encaminhada nesse sentido?
Sim. Todas as unidades da Ufba terão elevadores. Muitos já foram comprados, e o que se está fazendo agora é a licitação para a instalação. Temos uma forte demanda de recursos. Para concluir as obras do Reuni, precisamos de R$ 40 milhões. Agora, para reformar toda a universidade, inclusive a reitoria, precisamos de R$ 390 milhões, isso para ter uma Ufba bem cuidada, sem problemas físicos, e para investir em outras obras importantes, como a Maternidade Climério de Oliveira. Temos, ainda, a proposta de construir um complexo esportivo em Ondina e o Instituto de Psicologia, que foi criado, mas que ainda não tem casa. Então, nesses R$ 390 milhões, temos obras e reformas. O Conselho Universitário autorizou a requalificação da R3 (residência universitária do Canela), e vamos transformar aquele chalé num centro cultural, mas, para isso, preciso construir uma nova residência universitária, um novo restaurante. Então parece muito dinheiro, mas há muita coisa a ser feita.
Fonte do conteúdo e imagem: Revista Muito / Jornal A Tarde