Fala que eu te escuto. É exatamente assim que funciona o Plantão de Acolhimento do Programa PsiU – Universidade, Saúde Mental e Bem-estar da Universidade Federal da Bahia, voltado para a escuta de questões pontuais que causam angústia e tensões aos membros – estudantes, professores e técnico-administrativos – da comunidade universitária, informa o coordenador do programa, o psiquiatra Marcelo Veras. De acordo com o médico, “o serviço é aberto a todos os integrantes da UFBA, de forma desburocratizada, sem a necessidade de marcações, inscrição ou cadastro e com o objetivo de acolher inquietações ligadas à vida acadêmica, à própria casa, ao deslocamento ou outros temas que estejam perturbando a vida do indivíduo”.
Desde o início de sua atividade, em novembro do ano passado, o plantão de acolhimento, instalado nas dependências da Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Assistência Estudantil (PROAE), no campus da Federação, não oferece tratamento de saúde mental, mas “acolhe demandas relacionadas à solidão, insegurança e até situações mais preocupantes envolvendo pessoas que têm uma ideação suicidária ou um passado de depressão importante”, enumera Veras.
O serviço que nasceu a partir de uma atividade de extensão, criada para psicólogos já formados, disponibiliza acolhimento desburocratizado sem necessidade de agendamento, o que “é um diferencial, pois “quando irrompem as questões subjetivas de ansiedade, nem sempre é possível esperar para um dia marcado. É importante quando se tem uma ansiedade, um pensamento suicidário, ter alguém que possa atender naquele momento, ou no dia seguinte, mas não dá para esperar por muito tempo”, esclareceu o médico que também é psicanalista.
Ao abrir para uma oferta sem burocracia, “conseguimos reduzir enormemente a espera por atendimento psicológico no Serviço Médico Universitário Rubem Brasil (SMURB) e outros serviços de psicologia da saúde pública que estão sobrecarregados”, ressaltou o especialista que foi diretor da Escola Brasileira de Psicanálise.
“A realidade para quem precisa de um serviço público de psicologia é que tenha que enfrentar uma fila de espera e saber que há um lugar acessível para onde ir, que vai poder encontrar alguém que fará uma escuta, um acolhimento e que será tratado na sua singularidade como sujeito, faz toda a diferença para a comunidade universitária e é essa a nossa linha de trabalho e perspectiva de atendimento: de que ninguém vai ser tratado apenas como mais uma pessoa na fila de atendimento”, enfatizou o psicólogo que também integra a coordenação do Acolhimento do PsiU, Luiz Felipe Monteiro.
“Tiramos o que é urgente e emergente e minimamente conseguimos dar algum tratamento a essa urgência”, reconheceu Veras. “Não se trata de atender um grande volume de pessoas, mas que cada caso possa ser ouvido na sua especificidade e singularidade”, acrescentou Monteiro que é psicólogo da PROAE. O setor que ao longo de oito meses, já realizou 700 atendimentos, incluindo os retornos, realiza o acolhimento estendido que vai além de apenas de um encontro, mas pode realizar uma média de seis a oito encontros, conforme a especificidade do caso, a partir de avaliação baseada na prática local da UFBA e de universidades pelo mundo, pontuou Veras.
“Pode até parecer que esses seis a oito encontros sejam pouco. Mas quando se vai buscar um tratamento na rede pública, leva mais de um mês entre o agendamento até o contato com o psicólogo, de modo que uma média de seis a oito sessões pode equivaler a mais um ano de acompanhamento”, racionalizou. No PsiU, a terapia não é longa, mas de quatro a oito encontros que são feitos num tempo mais curto e de uma maneira compacta e de acordo com a particularidade do caso e havendo a necessidade de continuar, isso será trabalhado e encaminhado para um atendimento de saúde mais específico.
Embora seja aberto a toda comunidade acadêmica, quase a totalidade dos que procuram pelo serviço é composta por estudantes. Os professores também têm procurado o plantão de acolhimento, mas não para resolver individuais questões relacionadas a eles diretamente, conta o coordenador do serviço, acrescentando que a procura se dá quando os docentes se deparam com dificuldades e tensões em questões ligadas a estudantes ou outro colega e resolvem buscar ajuda para resolver problemas do outro. “Então vamos ao departamento e acabamos alcançando o professor, de uma maneira indireta”, completa Veras.
Plantão com interação
O serviço de acolhimento foi montado a partir de uma atividade de extensão e reuniu um conjunto de psicólogo que compõem a equipe de 23 profissionais – 16 são psicólogos extensionistas que são os plantonistas e sete sãos os membros da equipe de coordenação que são três psicólogos do corpo de servidores técnicos-administrativos da UFBA: Luiz Felipe Monteiro (PROAE), Regina Raposo (PRODEP) e Jussara Guerra (HUPES) com o apoio de três professoras Thaís Goldstein (FACED), Vládia Jucá e Virgínia Dazzani (Instituto de Psicologia) e todos sob a coordenação geral do psiquiatra Marcelo Veras.
O sucesso da equipe, segundo ele, se dá porque “todos estão permanentemente conectados. Há interações constantes entre os membros, seja nas reuniões ou comunicações via grupo de mensagens”. Nenhum psicólogo faz um atendimento e depois vai embora sem registrar o caso para os demais. Há constante troca de informações, atualização de visitas dos acompanhados. Isso faz com que os plantonistas não se sintam só, mas sempre ligados entre si. Também não é colocado ninguém de fora da equipe por causa da confidencialidade, pois são falados temas ligados às pessoas ouvidas como casos envolvendo suicídio, abuso sexual e etc…
Todos os profissionais do PsiU são formados e já fizeram seu juramento ao código de ética, afirmou Monteiro. “A ética é parte da condição de qualquer profissional de saúde mental e temos o sigilo com uma condição essencial de qualquer atendimento e escuta que possa ser feita. É uma condição fundamental ao trabalho de atenção ao sujeito e que é priorizado fortemente no PsiU”.
O plantão de acolhimento funciona com dois psicólogos, atendendo a quem chega para resolver pessoas que se dirijam ao local e outro profissional que fica na retaguarda ou no atendimento por telefone. A acolhida está aberta nas segundas, terças, quintas e sextas das 9 às 17 e na quarta-feira, das 9 às 12h, devido à realização de uma reunião com todos os profissionais que acontece a partir das 13h de todas as quartas-feiras, a fim de tratar de assuntos relacionados à prática, às rotinas e acompanhamento dos casos.
O serviço funciona durante o período letivo do semestre e também nas férias das atividades acadêmicas, sendo que a procura é muito mais baixa nesse período. Além do plantão de acolhimento, o Dr. Veras sempre conversa com pessoas angustiadas via aplicativo de mensagem instantânea, sempre que surge alguém com alguma demanda ou necessidade. Grande parte das interações acontece nas plataformas digitais como o Facebook, Instagram e Whats App (71) 99911- 2828.
Causas diversificadas
De acordo com os registros, as causas mais comuns na busca pelo acolhimento estão relacionadas com a dificuldade que os estudantes têm de encontrar seu lugar na universidade, principalmente os que vêm de cidades do interior e outros estados. Além disso, “a adaptação à cidade de Salvador, à universidade, à lógica de ensino e de produção muitas vezes, gera quadros de ansiedade e de dificuldade de concentração para acompanhar as aulas. Também há o desejo de poder se apresentar bem e falar em público nos seminários, se colocar em avaliações, nos relacionamentos, na convivência, nas diferenças, nas diversidades, enumerou Monteiro temas comuns.
Há um tema que norteia os casos mais preocupantes: a precariedade social, declarou Veras. “A precariedade social em si, pode não aumentar os índices de depressão ou mesmo de tentativa de suicídio, mas nesse caso é diferente, porque são estudantes, que mesmo já vivendo anteriormente numa situação de precariedade, no momento que entram na universidade, que lhes é acenado um futuro e à medida que vão se confrontando com as dificuldades em ter acesso a esse futuro se frustram. Há a busca pela permanência na instituição, além da saída de casa e da ruptura do suporte familiar”, relacionou o médico.
“Nem sempre o sentimento de abandono vem porque não foi possível não obter uma bolsa ou aporte financeiro, mas pelo simples o fato de não terem a quem se dirigir e estarem confrontados ao anonimato do nome institucional UFBA e completamente deslocados da família e sem recursos sociais”. Mas só o fato deles poderem reclamar e falar dos sofrimento, sentindo que há alguém que está ouvindo; isso já causa um certo efeito. É uma escuta que atenua a dor. É algo fundamental como estratégia para quem tem pensamento suicida: sentir que não está só e restabelecer o diálogo”, orientou ele.
“Há uma relação estreita entre a vulnerabilidade e as angústias”, revelou a psicóloga Regina Raposo que também atua na coordenação do acolhimento do PsiU. De acordo com os dados estatísticos do plantão, mais de 50% dos que são atendidos recebem bolsa ou algum benefício da assistência estudantil. Entre os estudantes moradores das residências universitárias, 21% compõem o total dos atendido até o momento. A precariedade da falta de recursos financeiros, até para tomar um transporte e a falta da família é uma combinação que pode gerar um grande mal-estar e até depressões. Então esse é um instante que eles também não podem se sentir abandonados pela UFBA. O papel de recolocar o sujeito na sala é muito importante”, assegurou.
A maioria dos estudantes atendidos cursam graduação e apenas 5% são de cursos de pós-graduação. No momento, os cursos de Arquitetura, Ciências Sociais e Bacharelados Interdisciplinares são os que mais procuraram o serviço, revelou Raposo. Nesses oito meses de projeto, cerca de 400 estudantes da UFBA passaram pelo programa, o que significa 1% do alcance da população discente. Na avaliação dele, “é um número bem relevante que mostra como é importante que exista esse espaço. É bastante exitoso, pois mostra que o programa está cumprindo bastante bem a sua finalidade”, disse.
É uma iniciativa louvável pois ao mesmo tempo que não é cara, já que não exige grandes investimentos, salas especiais, equipamentos sofisticados, materiais, consegue oferecer para a comunidade o “instrumento tecnológico mais refinado que o homem fez, nos últimos 50 mil anos – a escuta. Uma orelha. E isso é refinadíssimo! Uma escuta qualificada não tem preço!”, pontuou Veras. “Nós estamos conseguindo formar e oferecer o que temos de melhor que é uma equipe de psicólogos, psicanalistas e psiquiatras para realizar uma escuta na hora que alguém precisa falar”, concluiu.
Setembro Amarelo: alerta ao suicídio
Cerca de 10% dos estudantes atendidos pelo PsiU já apresentaram pensamentos consistentes de morte e 5% já realizaram alguma tentativa de suicídio ou seja, cerca de 20 deles. Do total de pessoas atendidas, precisou-se usar o marcador de “atenção” para, pelo menos, 15% dos casos, devido à ideação suicida, possíveis passagem ao ato, surtos e automutilações, revelou Raposo que é psicóloga da PRODEP/UFBA. Por isso, “dentro do acolhimento é feito um trabalho de escuta e construção do diálogo que promove uma elaboração que o sujeito vai para outro caminho que não de morte e destruição”, disse ela.
O Setembro Amarelo, dedicado à prevenção ao suicídio, começa na UFBA, já no dia 1º/09 com a exibição do filme da cineasta Sofia Copolla, “Virgens Suicidas”, a partir das 9h30, na Sala de Arte Cinema da UFBA, no Canela. Logo depois, acontecerá um bate-papo com o objetivo de estabelecer um diálogo sobre o tema do suicídio com pessoas da comunidade universitária, mediante bate-papo facilitado pelo psiquiatra Marcelo Veras e psicanalista, Luiz Felipe Monteiro. A atividade é gratuita e aberta a estudantes, professores, técnicos-administrativos e terceirizados.
As ações de atenção ao problema do suicídio já começaram desde o mês de julho, destacou Veras, citando a criação do Núcleo de Estudos Psicanalíticos Pinaúma – Psicanálise na Universidade numa parceria entre o Programa Psiu e o Instituto de Psicanálise da Bahia e são debatidos temas relacionados à questão do mal-estar na comunidade universitária como um todo, explicou. Nas duas últimas aulas, que foram realizadas na sala de reuniões da Superintendências de Desenvolvimento Institucional (SUPAD), em Ondina, foi abordado o tema do suicídio que também predominará nas próximas duas aulas.
A atividade que sempre é transmitida ao vivo pelo canal do Psiu no Facebook tem grande repercussão com uma média de cinco mil assistentes por transmissão e muitos deles pertencentes a grupos de pesquisa de outras comunidades universitárias como da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto e do Instituto Multidisciplinar em Saúde IMS/CAT da UFBA em Vitória da Conquista, que participam via chat, debatendo em tempo real, contou. “Só colocar esse tema em visibilidade já é uma estratégia muito boa, pois os encontros são formativos com reflexões contextualizadas com a vivência universitária”, assegurou.
“Não podemos tratar de suicídio atribuindo-o a uma única causa. Não podemos atrelar ou divulgar a ideia de que houve uma única causa para o ato, explicou. Quando o suicídio acontece é porque teve um fato que perturbou mais o sujeito. E também nunca vamos trabalhar o suicídio como pertencente a uma categoria de doenças ou a um nicho social específico”, ponderou Veras.
“Tanto o pensamento suicida quanto o ato revelam que há um impasse subjetivo na pessoa, que há um conflito que não está conseguindo encontrar uma outra manifestação a não ser em pensamentos de morte. O acolhimento, realiza um trabalho de elaboração do suicídio, o que significa dar um tratamento desse impasse na prática”, orientou Monteiro. “O suicídio revela que algo pode ser elaborado e a gente aposta nisso! E é a via da palavra, que pode construir um significado sobre o que está acontecendo e esse impasse pode encontrar outro destino. O pensamento suicida é algo eminentemente humano. Não é anormal ou patológico. É uma questão de elaboração”, disse o psicólogo da PROAE.
As vezes em só um encontro a pessoa já sai mais tranquila. Há casos mais preocupantes que recebem uma atenção maior e “com bandeirinhas” para entrarmos em contato se ele passar muito tempo sem voltar, disse Raposo. A grande maioria das tentativas de suicídio são apelos ao outro que são erroneamente tratados como mera manipulação, alerta Veras. “É preciso ter muito cuidado e não desprezar esse ato. É preciso ter cuidado no falar, no divulgar e etc e, principalmente em não mostrar o local onde um suicídio foi realizado”, resasaltou.
Por isso, “é preciso preparar melhor os profissionais que estão atuando no Psi, para que possa fazer pequenas e importantes diferenciações, como identificar se determinadas tentativas de suicídios respondem a uma lógica de problema mental ou melancolia ou se respondem, muito mais, a um pedido de ajuda. “É preciso haver uma escuta atenta e um refinamento que é o que nós vamos continuar fazendo durante esse mês de setembro”. Também vamos continuar com os encontros do Pinaúna que já tem muitos inscritos.
Ações do PsiU
PsiU foi lançado em abril de 2017, fruto de uma série de debates e encontros sobre saúde mental, realizados na Universidade Federal da Bahia, organizado principalmente, pela Pró-Reitoria de Desenvolvimento de Pessoas (PRODEP), lembrou o coordenador, Marcelo Veras. O programa começou com a Primeira Semana de Saúde e Bem-Estar da UFBA, realizada em maio de 2017 com uma série de atividades para dar visibilidade e discutir sobre questões relacionadas à saúde, ao bem-estar e à convivência com as diferenças dentro da comunidade universitária. O médico cita que “o marco divisório foi em novembro de 2017, quando o plantão de acolhimento começou na PROAE, voltado para ouvir as angústias da comunidade universitária”.
Diante das necessidades, percebeu-se que o Psiu precisa se desdobrar em outras ações para ampliar o alcance do programa. Uma delas, é o “Por ser de lá”, ação específica, criada a partir da observação de angústias de muitos estudantes com problemas relacionados ao pertencimento, pois de toda a população atendida, 71% são de outras regiões e municípios. A ação é complementar ao Psiu e vai começar em breve para atender especificamente aos estudantes oriundos de outros estados e cidades do interior.
A coordenação do PsiU constantemente recebe convites para visitar unidades universitárias da UFBA e conhecer a real situação de quem habita nelas. A equipe já foi às escolas de Veterinária e de Dança, em Ondina e no dia 30/09, irá apresentar o programa no IMS/CAT da UFBA, em Vitória da Conquista.
Serviço
O quê: Plantão de Acolhimento do PsiU/UFBA.
Como: atendimento gratuito para toda a comunidade universitária, sem necessidade de marcação.
Quando: segundas, terças, quintas e sextas das 9 às 17 e na quarta-feira, das 9 às 12h.
Onde: sede da PROAE, na rua Caetano Moura, 140 – Federação.
Contato: (71) 99911- 2828 (whats app), Facebook e Instagram.