Vaticano, junho de 2015, o Papa Francisco lança a encíclica Laudato Sì (Louvado Seja, na tradução do latim), conclamando os fiéis a cuidarem da Terra. Pela primeira vez, a igreja católica aborda o tema do meio-ambiente. Em Salvador, tocada pelo apelo do papa, a professora Zenis Novais da Rocha, do Instituto de Química da UFBA, começa a pensar em uma forma de colocar seu conhecimento à disposição da causa.
Dois meses depois, em agosto de 2015, nasce a Compostagem Francisco, projeto de extensão que propõe transformar os resíduos de alimentos do Restaurante Universitário do Campus Ondina, das cantinas dos Institutos de Geociências e Biologia e da Faculdade de Arquitetura – e posteriormente, de outros restaurantes do bairro de Ondina – em húmus, um tipo de adubo orgânico.
A planta piloto da Compostagem Francisco ocupa um espaço de apenas 8 metros quadrados aproximadamente, nos fundos do Instituto de Química. Na pequena sala, um professor e dois alunos dividem espaço com uma betoneira, um triturador de resíduos e uma balança de precisão. É este o local onde, todas as tardes, são compostados em média 35 quilogramas (kg) por dia de resíduo alimentar. “São 200 kg de resíduos por dia. Devido ao espaço limitado podemos trabalhar apenas com uma parte”, diz o professor Petronílio Cedraz, também do Instituto de Química e integrante do projeto.
Atualmente, o resíduo coletado no restaurante universitário e na cantina de Biologia passa por um processo de triagem, por meio do qual são descartados os resíduos inorgânicos (copos de plástico e papel) e reunidos os pedaços de frutas e verduras, carnes e cascas para ser triturados e misturados com 30% de pó de serragem. Esse material é colocado na betoneira, adiciona-se o equivalente a 7% de um biodegradador que contém minerais inorgânicos (macronutrientes agrícolas) e tudo é homogeneizado por 10 minutos.
Nessa primeira etapa, vale dizer para quem sabe um pouco de química, a degradação envolve reações ácido-base de Brönsted – Lowry entre o resíduo orgânico e o biodegradador. Na segunda etapa se tem reações de oxirredução entre o biodegradador e dois bioativadores que vão provocar a liberação de calor e elevar a temperatura para a faixa de 45°C a 50°C. Depois disso são acionados 10% do biofinalizador por 10 minutos, o que enriquece a composição do adubo e o deixa pronto para ser triturado.
Findo esse processo, o adubo é colocado em local ventilado, onde ficará em repouso por uma semana, até dissipar todo o calor. Por fim, será triturado novamente e embalado para distribuição. Semanalmente, são produzidos 800 kg de adubo e, em 2 anos de projeto, foram produzidas e distribuídas pouco mais de 7 toneladas de adubo orgânico.
Resultado que se vê
A principal parceira e cliente do adubo produzido pela Compostagem Francisco é a Superintendência de Meio-Ambiente e Infraestrutura (Sumai), através da Coordenadoria de Meio-Ambiente. Ficam à disposição do projeto, segundo o coordenador José Antonio Lobo dos Santos dois funcionários da equipe de jardinagem da Sumai que fazem a poda e plantio de algumas mudas para testes do produto.
Quem transita pelo Campus de Ondina e passa pelo Instituto de Química para chegar em Geociências pode observar a quantidade de plantas que florescem nos fundos do Instituto. O “caminho verde” leva até a planta piloto de compostagem. Orgulhoso, o professor Petronílio mostra a diversidade de plantas que crescem no entorno: “foram todas plantadas com nosso adubo”.
Atualmente, além da UFBA, o outro destino do adubo é a Escola Parque, no bairro de Caixa D’Água. Foram firmadas parcerias com a Associação Kilombo do Kioiô, em frente ao Parque São Bartolomeu, e com o Centro Social Maria Menina Criança Flor de Lis, localizada no Alto da Terezinha, que devem começar a receber o adubo ainda este ano. A professora Zenis diz que “quem conhece o produto quer receber”, mas, devido à capacidade limitada de produção e distribuição, é preciso fazer uma seleção para poder atender a todos.
Projeto Ameaçado
Inspirado no projeto de compostagem acelerada desenvolvido pelo Shopping Eldorado, em São Paulo, a professora Zenis decidiu utilizar os mesmos processo e produtos fabricados pela empresa Bioideias, de Minas Gerais. Contudo, no meio do projeto, a empresa não quis mais fornecer o produto. “Tive de estudar durante alguns meses para achar uma saída. No fim, acabei desenvolvendo um novo produto, que se mostrou mais eficiente que o anterior, otimizando o tempo de 3 horas para 40 minutos”.
Em outubro de 2016, ela começou a estudar aceleradores bioinorgânicos para compostagem de resíduos orgânicos provenientes de alimentos, e assim continuar o projeto de extensão iniciado em 2015. Sobre o novo produto, revela não ter a intenção de registrar patente: “pretendo publicar o trabalho para chegar ao maior número possível de pessoas. Quem sabe sirva de incentivo à um maior investimento em plantas de compostagem acelerada”.
O professor Petronílio reforça: “o lixo orgânico é um dos maiores vetores de doenças nas grandes cidades e, além de atrair roedores e insetos, libera gases nocivos na atmosfera potencializando o efeito estufa”. Com a expansão dos grandes centros urbanos, encontrar locais adequados para o descarte do lixo produzido é um enorme desafio para a administração pública. “O processo de compostagem por leira é o mais comum, porém, demora 120 dias e necessita de uma grande área”, observa o professor.
Tanto Petronílio quanto Zenis acreditam que a compostagem acelerada é o processo mais adequado e ecológico, por ser rápido e ter um aproveitamento total do resíduo. “Poderiam ser construídas unidades móveis que circulassem pelas feiras da cidade, reaproveitando os resíduos de fim de feira. Isso reduziria o gasto com limpeza urbana”, comenta a professora, já vislumbrando o efeito prático para a cidade.
Exposição em São Paulo
Entre os dias 9 e 14 de julho, aconteceu em São Paulo o 46° Congresso Mundial de Química, organizado pela União Internacional de Química Pura e Aplicada (Iupac), onde o projeto Compostagem Francisco foi apresentado em painel expositivo. Atualmente, o projeto de extensão é composto por 20 estudantes de graduação e 2 de mestrado, em sua maioria do curso de química, mas também dos cursos de nutrição, farmácia e biologia, todos voluntários.
Fonte: EdgarDigital