Ideias e estratégias para viabilizar pesquisas interdisciplinares estarão em debate no Congresso da Universidade Federal da Bahia (UFBA), na mesa temática “A organização da pesquisa no século XXI”, coordenada pelo professor Jailson Bittencourt de Andrade, do Instituto de Química da UFBA, com a presença dos presidentes da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O Congresso da UFBA será realizado de 14 a 17 de julho, em mais de 100 espaços dos “campi” da universidade em Salvador, como parte das comemorações dos 70 anos da instituição.
A cara da pesquisa universitária mudou muito desde a virada do século 21. Se antes uma investigação era quase sempre feita no interior de um campo científico especializado e isolado, como, por exemplo, química, biologia ou economia, hoje a demanda é por sinergia entre especialistas de áreas diversas. “Hoje, o foco da pesquisa é ‘o problema’. O que importa é encontrar a melhor solução possível para problemas concretos, dispondo para isso do conhecimento de especialistas de áreas diversas, trabalhando em conjunto”, sintetiza Jailson. Ele exemplifica: “Eu, que sou formado em química, coordenei um estudo sobre a Baía de Todos os Santos que tinha gente de química, mas também de engenharia, biologia, oceanografia, história, arte, cinema, fotografia, cultura... quer dizer: não deixo de ser químico, mas o ambiente de trabalho é interdisciplinar e transdisciplinar”.
Além de Jailson, que atualmente ocupa o cargo de secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, participarão da mesa dois outros nomes de peso do debate sobre a organização da pesquisa científica no Brasil: a presidente da SBPC, professora da Unifesp Helena Náder, e o professor da USP Hernan Chaimovich, presidente do CNPq.
Ao transpor os limites disciplinares, a relevância de uma pesquisa passa a ser definida com base em três dimensões fundamentais, segundo Jailson: científico-tecnológica, econômica e social. “Por muito tempo, a relevância social das pesquisas foi desconsiderada pela ciência, tratada como mera conseqüência secundária. Não dá mais para ser assim”, observa.
Pesquisa e Ensino
Debruçado sobre a questão da organização da pesquisa científica no Brasil há pelo menos 15 anos, Jailson explica que a questão fundamental é entender a complementaridade e as diferenças entre as atividades de ensino e de pesquisa. No ensino, diz ele, é importante que a fronteira disciplinar se mantenha, para que o profissional se insira em uma área de especialidade. Já na pesquisa, é primordial que aconteça o contrário: a derrubada das fronteiras disciplinares, pois, segundo Jailson, “com o tempo, as necessidades da produção do conhecimento passaram a não caber mais na hiperespecialização dos campos disciplinares”.
O professor recua até 1968 para explicar o processo de disciplinarização da pesquisa e do ensino nas universidades federais brasileiras. “Na UFBA, no reitorado de Roberto Santos, houve uma grande reorganização da Universidade. Ali, áreas como química, física, biologia, matemática etc. foram retiradas de grandes centros – no caso, a Escola Politécnica – para dar origem a institutos isolados, com seus respectivos programas de pós-graduação. “Essa divisão ainda funciona para o ensino, mas a realidade do trabalho do pesquisador não cabe mais aí. Como pensamos? De forma múltipla, transdisciplinar”, argumenta.
Iniciativas bem-sucedidas de pesquisa interdisciplinar já acontecem na UFBA, “mas muitas vezes sem o reconhecimento que merecem”, afirma Jailson. A mais antiga delas, recorda, é o CEAO (Centro de Estudos Afro-Orientais), criado em 1959, voltado à pesquisa de temáticas ligadas à lingüística e etnicidade com foco na África e no Oriente. Mais recentemente, o professor aponta outros dois exemplos: o Centro de Pesquisa em Geologia e Geofísica (CPGG), que atua de forma interdisciplinar nas áreas de exploração mineral, recursos hídricos e estudos costeiros; e o Centro Interdisciplinar de Energia e Ambiente, do qual é o coordenador, que congrega química, física, biologia, engenharia, entre outras áreas. “Imagina se eu, se estivesse isolado na área da química, iria algum dia participar da formulação de um projeto de uma planta de produção de biodiesel, que requer uma série de outros conhecimentos? Nunca!”