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Paleógrafos do Brasil reúnem-se na UFBA para realizar primeiro seminário acadêmico da área

Eventos discutirá os rumos das pesquisas paleográfica

Engana-se quem pensa que paleografia é somente uma técnica para ler documentos antigos.  De acordo com a professora do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, Alícia Duhá Lose, que ministra a disciplina, a paleografia é uma ciência basilar que anda de mãos dadas com diversas outras áreas das humanidades e tem a chave para acessar conhecimentos que servirão de subsídios para diversas pesquisas e  objetivos. Os poucos detentores dessa “chave” aqui no Brasil se reunirão nas dependências da UFBA, nos próximos dias 15 a 17 de novembro para participar do I Seminário Nacional de Paleografiavoltado a técnicos, pesquisadores, professores e estudantes da área.

O evento pioneiro será marcado pela temática da interdisciplinaridade que, segundo Lose, trabalhará as várias interfaces da Paleografia com áreas como a arquivologia, história, filologia, crítica textual, linguística histórica, biblioteconomia de obras raras, antropologia, sociologia, restauração, design e outras vertentes das humanidades.  “Pensando nisso, os palestrantes convidados são de áreas diferentes, sinalizando o diálogo entre a paleografia e vários campos do conhecimento para os cerca de 160 participantes que são esperados para o encontro”, destacou a docente que está à frente da coordenação do evento.

Em articulação com outras áreas de saber, o seminário discutirá os rumos das pesquisas paleográficas, ou que têm nelas algum fundamento, na contemporaneidade, disse a professora, chamando atenção para a importância de reconhecer “a relevância da atividade para a boa leitura de informações adormecidas em manuscritos antigos, já que no Brasil não há estudos superiores e formação aprofundada em paleografia e muitos dos profissionais têm formação empírica e desconhecem a produção teórica da área”.  As atividades do evento – conferências, palestras, oficinas, sessões científicas e lançamento de livro – foram idealizadas com o objetivo de “contribuir para a melhoria da qualidade das atividades paleográficas realizadas no Brasil, criando uma rede de comunicação entre os profissionais das diversas áreas, trazendo informações atualizadas do exterior, além de colocar os profissionais brasileiros em contato entre si e com instituições estrangeiras do campo, afirmou Lose, que também atua como coordenadora do colegiado do Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura do Instituto de Letras.

 

Diversa, atual e promissora

A área – que configura-se como a leitura de textos considerados antigos em suportes leves, realizando a investigação dos sistemas gráficos –  é tão diversa quanto antiga e foi formalizada como campo de conhecimento por um monge beneditino, pouco tempo depois da Guerra dos Cem Anos entre as monarquias feudais da Europa, na Idade Média, a fim de identificar a validade de documentos de propriedades de terra.  No Brasil, a área está calcada sobre as bases da paleografia portuguesa, contou a professora.

Estudos mais contemporâneos compreendem a paleografia como investigação das práticas de cultura escrita – materiais manuscritos e datiloscritos – independente do tipo de suporte ou recorte temporal.  A investigação paleográfica não é só uma técnica, mas um trabalho de erudição extremamente instigante, pois traz à tona informações desconhecidas e esquecidas pelo tempo e circunstâncias diversas.  Apesar de muitos atribuírem um caráter de antiguidade à atividade, a professora atesta que a “paleografia pode ser high tech, cruzando-se com todas as novas tecnologias”.

Mesmo trabalhando com materiais antigos, muitos paleógrafos atuam de um jeito moderno, digitalizando os documentos em alta resolução e analisando-os com o auxílio de recursos específicos na tela do computador, além de disponibilizar o material analisado em edições digitais.  “Mas as técnicas de leitura são as mesmas” reitera ela exemplificando que não existe uma regra específica para ortografia e abreviaturas mas é bom ficar atento aos desmembramentos delas e aos traços das letras e jamais ler o material com a cabeça da língua de hoje” pois “o bom paleógrafo lê e respeita o que está lendo, mantendo a língua que está no documento e as variações diacrônicas, desde os textos medievais, góticos aos mais modernos”, ressaltou a professora que é filóloga.

Por “ter a chave para descobrir o que estava fechado por séculos e séculos”, a paleografia é relativamente lucrativa e tem um mercado promissor, haja vista o tanto de documentos que foram feitos e precisam ser lidos e compreendidos, além dos que serão feitos futuramente, incentiva Lose.  Atualmente, “existem cerca de 400 paleógrafos no Brasil e muitos dos que eu conheço vivem relativamente bem, com ganhos profissionais advindos dessa especialização”, atestou a docente. .

Infelizmente, há poucos centros de formação de novos profissionais no país, pois em muitas universidades, quando o professor responsável pela disciplina se aposenta ou morre, dificilmente é substituído, diferentemente do que acontece UFBA, que é uma das poucas universidades brasileiras que mantém interesse por essa área de conhecimento e oferece a disciplina na pós-graduação do Instituto de Letras e para outros cursos de graduação como história, arquivologia e biblioteconomia.  Outras instituições de ensino superior que ainda preservam o estudo deste saber são as federais de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.Neste cenário, a pesquisadora também enxerga um movimento de retorno à disciplina.  Para ela, há uma “retomada, pois o Brasil está acordando para a noção da importância da memória. Desse modo, há um enfoque na conservação dos acervos que são digitalizados e ficam mais acessíveis para os especialistas chegarem no material”. No meu caso, “eu prefiro ir no lixo ou no canto da parede com uma lupa na mão, em busca dos documentos antigos para analisar”, revelou Lose.   A investigação paleográfica traz à tona informações desconhecidas e esquecidas pelo tempo e circunstâncias diversas. 

 

Próxima e real em nossas vidas 

Apesar de parecer distante, como ciência moderna, a paleografia está muito perto de nossa vida.  Suas técnicas são usadas para ler documentos basilares da vida humana que estão nos livros dos cartórios como termos de propriedade, casamento, registro de nascimento e outros, perdidos nos tempos dos nossos avós mas que se refletem em nossas vidas.

É a paleografia que permite descobrir a autenticidade de escrituras de terrenos antigos deixados por herança para concessão de atestados de propriedade e também atestar a filiação de estrangeiro para obtenção de dupla nacionalidade.  Casos como de um senhor humilde do interior da Bahia – que precisava provar a propriedade de sua terra para uma grande construtora com planos de erguer empreendimento no local – e da Faculdade do Mosteiro de São Bento – que precisava provar que o terreno onde está construída pertence também ao mosteiro– foram solucionados pelas técnicas paleográficas utilizadas pela professora, que leu os documentos originais e comprovou a veracidade.

Os paleógrafos trabalham de mãos dadas com a memória do mundo, quando leem um documento que ficou escondido por 500 anos e descobrem que a história foi escrita de uma forma errada.  Por exemplo, no trabalho realizado pela professora e sua equipe com achados recentes de documentos da obra da Igreja da Conceição da Praia, descobriu-se, nas folhas de pagamento do canteiro de obras, o registro de pagamento de mulheres nas mesmas funções de homens operários da obra.  E nada se conta da presença de mulheres na construção daquela igreja, ressaltou a professora.  Outra aplicação é o trabalho de pesquisa de uma designer, que elabora uma fonte para escrita de computador baseada na caligrafia de um monge beneditino do século XIX.

No Instituto de Letras, Lose está à frente de uma equipe de mais de 30 pessoas – técnicos, professores, estudantes voluntários e bolsistas, mestrandos, doutorandos e  pós-doutorandos – que trabalham no levantamento e edição de documentos manuscritos para que outros trabalhos possa ser feitos a partir deles. Entre os trabalhos estão livros do Tombo do Mosteiro de São Bento e do Centro de memória Documental da Polícia Militar da Bahia, ambos reconhecidos pela UNESCO.  Outro destaque é a reedição do livro Notícia Geral desta Capitania da Bahia / 1500 – 1759,  escrito pelo cartógrafo do rei, Jozé Antonio Caldas e que será relançado pela EDUFBA, na noite de 17/11, no PAF 3, durante a Programação do I Seminário Nacional de Paleografia.