Em visita à Reitoria da UFBA, na manhã desta terça-feira, 17, o rei dos Ashanti, da República de Gana, Otumfuo Nana Osei Tutu II, fez um pronunciamento sobre “Tradição e Modernidade na África de hoje” para um público formado por lideranças intelectuais, culturais e religiosas. A atividade, que integra a programação do Congresso de Pesquisa, Ensino e Extensão da UFBA, foi anunciada por uma recepção festiva com o grupo Ilê Fun Fun e o Mestre Edivaldo Araújo.
Logo no início da sua fala, Osei Tutu II ressaltou que a África é um continente complexo, que reúne 54 países e muitos grupos étnicos e raciais, com diferentes realidades socioeconômicas. Diante disso, explicou que as suas observações fazem referência à África Negra – que corresponde à parte do continente africano situada ao sul do Deserto do Saara.
“Do nascimento à morte, a África está imersa em rituais”, disse o rei dos Ashanti, destacando a crença na imortalidade, no poder ancestral e no ser superior. A religiosidade foi apontada como característica marcante no continente e a chave para colocar os países da África todos juntos. “Não há aspecto da vida dos africanos que não está influenciado pela religiosidade”.
Osei Tutu II abordou aspectos da organização social e códigos de conduta de seu povo, explicando que tradições, atividades, ideias, hábitos e legados são estabelecidos a partir dos muitos clãs que existem no continente. Líderes religiosos, escolhidos como chefes de cada clã, são considerados intermediários entre os vivos e os mortos e responsáveis por manter as tradições culturais.
Os avanços científicos, a descoberta de novos medicamentos, meios de transporte e de comunicação foram apontados como benefícios da modernidade. “Somos membros de uma comunidade global e podemos nos comunicar com todo o planeta em tempo real”.
Porém, o rei criticou uma série de transformações que afetam o mundo atualmente. Em sua concepção, a modernidade não deve ser entendida apenas através da ciência e da tecnologia, que não são necessariamente benéficas. “Alguns remédios que curam doenças são os mesmos que são venenosos”, disse o líder, que também lembrou que a modernidade já produziu a bomba atômica e armas químicas que assustam o mundo.
Na modernidade, há um tipo de educação ocidental em que a criança apenas se dedica aos estudos, vive fora de seu ambiente e deixa de se relacionar com os valores de sua cultura, avalia o Rei. “Eles são ensinados, mas não educados. Buscam dinheiro e poder. Esse é o conceito de educação fora da tradição”, criticou.
Os resultados desse tipo de educação são questionados, em especial diante da constatação de que a sociedade de Gana está mudando e se degradando. “As pessoas não têm respeito por seus líderes”, observa o rei, para quem a educação traz benefícios tremendos e, por isso, é preciso investir em educação formal para todos. No seu entendimento, a educação deve produzir cavalheiros e damas e não acadêmicos inteligentes que sabem apenas se auto vangloriar. “Ciência sem humanidade é teorizar. É a educação para o ego”, avalia.
“A modernidade trouxe os seus perigos”, disse Osei Tutu II, que acredita que o desenvolvimento consiste na habilidade de resolver problemas reais e que a África tem a capacidade de solucionar as suas próprias questões. “A nossa cultura considera o ser humano holisticamente, não o separa do sagrado. Abarca os aspectos moral, religioso, político, social, técnico, científico e acadêmico. O homem é tudo isso”.
“A África possui valores tradicionais importantes. Nós temos orgulho da nossa cultura”, afirmou o rei, que também apontou mudanças recentes que têm, por exemplo, transformado uma sociedade marcada pelo trabalho coletivo em uma sociedade egoísta. “Permitimos que o medo tirasse o nosso espírito de hospitalidade. Agora temos xenofobia pelo estranho”. Para ele, o dinheiro se transformou em poder na modernidade “O consumismo tomou conta do humanismo”.
Osei Tutu II também falou sobre os estereótipos a respeito do continente africano, visto com por muitos como um lugar onde as pessoas estão todas doentes, com fome, vivendo na ignorância em guerras. “A África não pode ser bem-sucedida a menos que exploremos a cultura moderna”, afirmou. Para o rei dos Ashanti, os africanos devem reconhecer os méritos da tradição para atingir o progresso e um desenvolvimento aceitável, de forma a permitir a resolução pacífica de problemas multifacetados, que são de ordem política, social e econômica. “São problemas humanos”, finalizou.