Enquanto muitos preferem concentrar-se em teorias da conspiração relacionadas à espionagem de dados, controle de uma “sociedade zumbi”, alienação e riscos de acidentes, dentre outras polêmicas típicas de apocalípticos e integrados, professores preocupados em dialogar com crianças e adolescentes, totalmente imersos na cultura digital, buscam as potencialidades lúdicas presentes em games digitais a fim de tornar mais rica e prazerosa a aprendizagem de conteúdos escolares. Tais possibilidades são apresentadas analiticamente no livro, “Jogos digitais, entretenimento, consumo e aprendizagens: uma análise do Pokémon Go”, organizado pelas professoras Lynn Alves e Velda Torres e recentemente lançado pela Editora da Universidade Federal da Bahia (EDUFBA).
Levando em conta o nível de imersão proporcionado pela dinâmica do jogo
Pokémon Go!, o livro analisa possibilidades pedagógicas que podem ser aproveitadas no processo ensino-aprendizagem, como o desenvolvimento das funções executivas, memória de trabalho, flexibilidade cognitiva, controle inibitório e planejamento, enumera a professora Lynn Alves. Apesar da narrativa do jogo não ser tão complexa, Alves destaca que “o fato dos jogadores precisarem caçar determinados tipos de pokémons implica em planejamento, para traçar estratégias e executar ações a fim de alcançar a meta estabelecida no game, fazendo com que várias funções comecem a emergir a partir daí, numa criança ou adolescente”.
Ao longo dos cinco capítulos – escritos com a colaboração de pesquisadores como Vitor Cayres, Leandro Correia, Giulia Fraga, Edvaldo Couto, Andersen de Oliveira, William Santos, Rosemary Ramos e Antonete Xavier, e uma entrevista com o publicitário Vítor Torres, jogador de Pokémon há 14 anos – o livro não desconsidera os celeumas geradas na sociedade, na ocasião da “febre do jogo”, entre agosto e dezembro de 2016, mas “apresenta possibilidades de atribuir novos sentidos aos jogos digitais, convidando os leitores a desvendar um novo universo, onde pais e professores precisam desenvolver uma escuta atenciosa sobre os interesses de seus filhos e alunos, a fim de aplicá-los aos conteúdos escolares, numa tentativa de diminuir o fosso geracional”, orienta Lynn, que coordena vários projetos de pesquisa e desenvolvimento de jogos digitais.
Ela enfatiza que “qualquer jogo, comercial ou não, constitui-se num espaço de aprendizagem rico, pois promove interação, imersão, interatividade e desafio para o jogador”. Ao planejar os percursos que devem ser trilhados para alcançar as metas, o jogador toma decisões, negocia e aprende vários conteúdos, explicou a docente.
Nesta linha, o livro apresenta várias aplicações lúdicas que podem surtir bons resultados com o uso pedagógico do Pokémon Go. Entre os exemplos está o ensino da matemática, pois é preciso fazer cálculos para obter novos materiais, alimentos e armas que ajudarão os jogadores na evolução dos bichinhos capturados, em meio às caçadas do jogo. Na aprendizagem da geografia, pois o game requer deslocamento, numa atitude exploratória e de reconhecimento de marcos espaciais dispostos pela cidade, que funcionam como pontos de abastecimentos de elementos, para continuar no jogo. Também é possível estabelecer conexões históricas, já que o jogador do Pokémon Go, deve ser conhecedor da mitologia dos pokémons, oriunda dos anos de 1990, lembrou Lynn.
Pesquisa de campo: caçada aos pokémons
Lynn Alves, que é graduada em pedagogia e concluiu mestrado e doutorado em educação pela UFBA, conta que sempre recebeu questionamentos sobre a influência dos jogos no comportamento das crianças e adolescentes e, para não ficar presa a explicações maniqueístas, decidiu estudar o caso do Pokémon Go de perto. Apesar de não ter experiência como jogadora da anterior versão do Pokémon para videogames, ela baixou o aplicativo específico para smartphones, começou a jogar e ficou “aficcionada”, confessou a docente, revelando que saía para “caçar” na rua, nas proximidades da Praça Ana Lúcia Magalhães, localizada no bairro da Pituba, em Salvador.
Durante as “caçadas” aos pokémons, Lynnn interagiu com jogadores de todas as idades, realizando escutas como método de apuração de dados para sua pesquisa. Ela percebeu que “o game é capaz de criar um espaço de sociabilidade entre os jogadores que vão às ruas para caçar os pokémons, além de uma interação considerável, pois os jogadores precisam discutir estratégias em seus times para batalhar com os times rivais”. Na opinião dela, essa interação é muito saudável e rompe com o estigma do isolamento social, que muitos apontam apontam como malefícios da imersão proporcionada pelo jogos digitais.
A partir da experiência empírica, a pesquisadora constatou a possibilidade da “aprendizagem colateral, aquela que sai do in game para o out game”. É o que também acontece com o Minecraft – jogo eletrônico que permite a construção do mundo usando blocos – que tem alto potencial educativo e foi criado o Minecrft.edu. Apesar de muito popularizado no momento, “grande parte dos professores tem dificuldade de interagir com as novas tecnologias, além do preconceito que muitos têm com os games”, afirmou a professora.
A proposta, apresentada na obra e reforçada pela professora, “não é transformar as escolas em lan houses, mas que os professores escutem seus alunos e tragam os games, tão presentes na experiência dos jovens, para o ambiente da sala de aula e do ensino dos conteúdos escolares”.
O jogo Pokémon Go foi desenvolvido pela Niantic Inc – empresa norte-americana de desenvolvimento de software e jogos de realidade aumentada – baseado na mitologia Pokémon em meio à perspectiva transmidiática da franquia que se estendeu para as histórias em quadrinhos (HQs), desenhos para a TV, filmes, brinquedos e cards. O game digital, específico para tablets e smartphones, foi lançado no Brasil em 3 de agosto de 2016 e bateu recorde de downloads, em todo o mundo.
Ficha técnica:
Título: Jogos digitais, entretenimento, consumo e aprendizagens: uma análise do Pokémon Go.
Organizadoras: Lynn Alves e Velda Torres.
Número de páginas: 164
Tiragem: 400
Impressão: EDUFBA
Ano: 2017
Onde adquirir: lojas da EDUFBA (Ondina, Canela e CEAO/UFBA)