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João Carlos Salles lança nesta sexta, na Reitoria, uma consistente provocação filosófica

Provocação instigante sobre o problema do conhecimento

           

            Por Mariluce Moura

 

            Bons textos filosóficos não costumam oferecer leitura fácil. Em geral, eles são gratificantes ou aprazíveis por outras razões. E isso vale mesmo para algumas pedras fundamentais da história da filosofia, aquelas quebradas e polidas nos cumes da criação humana, das quais com frequência nos acercamos – nós, os não-filósofos – em busca da fruição estética que seu reconhecido refinamento literário de saída assegura. Assim é com O banquete ou o Crátilo, por exemplo, dois dos mais lidos diálogos do sábio Platão.  

      

            Então, que se diga logo, não há que se contar com facilidades ou com um percurso tranquilamente digestivo em A cláusula zero do conhecimento, que será lançado no fim da tarde desta sexta-feira, 24, na Reitoria da UFBA. Entretanto, pode-se apostar sim que se vai acompanhar uma provocação instigante sobre o problema do conhecimento (o que é a ele internamente constitutivo e o que apenas favorece sua produção?). Pode-se também ter a certeza de que se tomará contato com uma indagação radical sobre o quanto a epistemologia, ao passar por uma operação de separação da lógica, perdeu seu fôlego. Questões da filosofia analítica do século XX lançadas ao século XXI.

 

            Dito em outros termos, por mais claro, literariamente elegante e inspirador que seja o texto de João Carlos Salles nos cinco estudos que compõem o volume bem editado pela Quarteto, e ele é mesmo tudo isso, é de escritura filosófica que se trata, e como tal ela faz exigências ao leitor. Uma delas é a de acurada atenção para que se perceba com quem estabelece a cada passo seus diálogos principais, em seu esforço consistente para propor que a filosofia analítica segue importante, não chegou a um beco sem saída e tem horizonte, desde que nela se separe trigo e joio. E para isso, intérprete ele mesmo de Wittgenstein, Salles não se deixará aprisionar no gueto dos comentadores de Wittgenstein.

 

            Via Ernest Sosa, sem dúvida um dos mais respeitados epistemologistas em atividade – que, aliás, assina o prefácio de A cláusula zero do conhecimento –, João Carlos Salles estabelece novas conexões para examinar a gramática filosófica wittgensteiniana e define um ponto de apoio para chegar ao que poderíamos talvez chamar seu próprio empreendimento, qual seja, trabalhar na recuperação de uma lógica propriamente filosófica, não descarnada, ou numa certa reconciliação entre epistemologia, lógica e experiência, saindo completamente do campo de uma filosofia analítica que com frequência correu o risco de se confundir com um manual de autoajuda dos cientistas.

 

            O notável nesse modo, digamos, um tanto circular de fazer filosofia é que ele “redescobre” a tese de doutorado de Sosa, de 1964, e nela identifica, como um traço do estilo que marcará o colega até o presente, “a ligação interna entre o movimento da análise e a elaboração de definições mais refinadas de conhecimento (Introdução, página 15) – achado que, é claro, provoca um declarado júbilo do filósofo. Da tese, Salles toma inclusive o texto “Obedience”, em seu olhar, “extraordinário pela qualidade, e exemplar por sintetizar, em um instante, um movimento que vemos desdobrar-se pela obra inteira”, e o publica em A cláusula zero do conhecimento. Justifica: “Prestamos assim um bom serviço à comunidade filosófica, e esse talvez seja nosso maior mérito, ao tornarmos acessível esse texto esquecido”. Modéstia.

 

            Vale conceder a palavra sobre isso a Sosa: “[Salles] identifica certo estilo de aproximação à filosofia e mesmo a preferência por certos elementos da análise, como o recurso à causação, já presentes naqueles esforços iniciais. É, com efeito, muito prazeroso perceber essa espécie de unidade, e eu apreciei bastante que Salles a tenha exposto, bem como seu comentário perspicaz” (página 10).

 

            Para concluir: ao comentar os dois artigos do livro mais diretamente ligados à influência de Wittgenstein, o que trata do problema de Molyneux (“A visão de Deus e o olhar dos homens”, página 117) e o que aborda as visões sobre a epistemologia no Tractatus e no Sobre a certeza (“Considerações finais (e iniciais)”, página 173), Sosa dá destaque a seu encontro filosófico com Salles. “Também aqui temos convergência, uma vez que estou convencido de que há muito a aprender acerca do conhecimento humano no Sobre a certeza, como espero mostrar desenvolvendo a abordagem sobre o ceticismo feita no último capítulo de meu livro mais recente, Epistemology.” (página 10).

 

            Resta torcer por outros belos frutos dessa convergência filosófica.