Após a estreia, no dia 6 de agosto, o espetáculo “Dorotéia”, do dramaturgo Nelson Rodrigues, segue em cartaz até o dia 29 deste mês, no Espaço Cultural Barroquinha, com sessões às sextas e sábados, às 20h, e aos domingos, às 19h. O espetáculo é vencedor do Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz e primeira montagem do grupo Panaceia Delirante, composto de cinco jovens atrizes pesquisadoras da perspectiva feminina dentro da obra de Nelson Rodrigues. A iniciativa da montagem surgiu do próprio grupo que convidou a diretora baiana e doutora em Artes Cênicas Hebe Alves, docente da Escola de Teatro da UFBA, para levar o espetáculo adiante, pois já integravam o projeto realizado através do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic), cujo tema era “Da negação do amor – um estudo da anatomia emocional nos personagens de Dorotéia”, com orientação de Hebe.
“É uma postura do ator contemporâneo ter sua própria busca, suas indagações e seguir na realização disto”, comenta a diretora. “Quando vimos a defesa de Hebe, percebemos o compromisso do discurso do ator – como o ator pode ver seu trabalho em cena, como pode ampliar seu discurso”, diz Lilith Marques, integrante do grupo, justificando o convite de Hebe Alves para a direção da peça. Além de Lilith, o elenco conta com as atrizes Camila Guilera, Jane Santa-Cruz, Lara Couto e Milena Flick. “Montar Dorotéia com estas atrizes é um desafio muito grande porque elas não têm o perfil das personagens da peça”, conta Hebe. Isto porque a história trata de mulheres feias, murchas, de idade avançada que deixaram de amar e nunca experimentaram os prazeres do corpo. Ao invés disto, no palco estarão cinco atrizes jovens, cujas belezas a diretora não pretende esconder.
“O trabalho de pesquisa com foco na introspecção investigou possibilidades de obedecer ao texto e ampliar os recursos expressivos do ator e, ao mesmo tempo, elaborar uma escrita cênica que conjugasse todos os elementos”, declara Hebe. Para se chegar ao resultado final, a pesquisa envolveu outras imersões cênicas, a exemplo de “A casa de Bernarda Alba” (1939), última peça teatral escrita pelo poeta espanhol, Federico Garcia Lorca, na qual uma viúva matriarca controla, com intensa repressão, a vida de suas cinco filhas. Outro importante laboratório, até chegarem a “Dorotéia”, foram telas dos pintores Toulouse-Lautrec e Edgar Degas. Em Lautrec, a inspiração despertou o lascivo, o clima dos cabarés, a excitação que fervilha além dos ambientes familiares. Degas e suas bailarinas, por outro lado, impõem a pureza, a disciplina, o Ballet como símbolo da educação esmerada. “Em alguns momentos, aparecem estes ‘quadros vivos’ em cena”, revela a diretora.
Escrita em 1949, “Dorotéia” é a última peça do Ciclo Mítico de Nelson Rodrigues. Numa casa sombria, vivem três primas viúvas: Carmetila, Maura, D. Flávia e sua filha morta-viva Maria das Dores. Enclausuradas em si mesmas, são mulheres secas, feias, que não se permitem o prazer carnal e que se policiam para não dormir nunca, com medo de sonhar e, em sonho, cair em tentação. São mulheres que nunca viram um homem, que se casam com maridos invisíveis e, na noite de núpcias, têm a ‘náusea’, mostrando o asco pelo prazer, ou seja, a repressão e frustração sexuais. Em seguida, seus maridos apodrecem e se decompõem. A chegada de Dorotéia, uma prima bonita, que vê os homens e que sente prazer com eles, em contraponto a uma prima homônima que se matou, pela vergonha de saber que, por baixo de suas roupas, seu corpo estaria nu, levanta o grande contraponto entre repressão e prazer.