Especialistas criticam exclusão de disciplinas obrigatórias pela MP do Ensino Médio

MP exlui Educação Física, Artes, Filosofia e Sociologia

A Base Nacional Curricular Comum (BNCC) foi a questão central da segunda mesa de debates sobre o ensino médio brasileiro e os impactos da Medida Provisória 746/2016, realizado na quinta-feira (20/10), no Salão Nobre da Reitoria da UFBA. O pró-reitor de Ensino de Graduação da UFBA, Penildon Silva Filho, foi o mediador do debate.

Durante sua participação no evento, o superintendente de Educação Básica do Estado da Bahia, Ney Campelo, apontou o equívoco de tratar um assuntou tão importante sem a devida discussão junto à sociedade, utilizando-se de uma Medida Provisória, que é um instrumento precário. Ele também criticou a exclusão da Educação Física, Artes, Filosofia e Sociologia entre as disciplinas obrigatórias do ensino médio.

O superintendente apresentou dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) que, na sua concepção, demonstram que o ensino médio está estagnado, com o fraco desempenho dos estudantes nas várias disciplinas e altas taxas de distorção entre a idade do aluno e a sua série. Diante disso, considera que é urgente promover o debate sobre o ensino médio brasileiro. Ele também chamou atenção para a PEC 241, que prevê o congelamento dos investimentos públicos por 20 anos, o que representará uma perda significativa de recurso para a Educação.

Para o professor Adeum Sauer (UESC), a MP 746/2016 pretende promover uma flexibilização do currículo do ensino médio com a exclusão de alguns componentes curriculares, abrindo mão de disciplinas importantes como sociologia e filosofia. Sauer disse que essas disciplinas têm a condição especial de tornar as pessoas mais autônomas e estimular a reflexão sobre temas fundamentais como política e ética. Com a MP, apenas o ensino de português e matemática passa a ser obrigatório para os três anos do ensino médio. 

O professor alerta que a MP não busca resolver nenhum dos problemas estruturais da educação no país, a exemplo da precariedade da carreira docente, a realidade social dos jovens que precisam começar a trabalhar ainda na idade escolar e a consequente evasão dos estudantes das salas de aula. “A MP é autoritária, fala em nome dos interessados sem o devido processo democrático. Não há legitimidade no processo em curso”.

Sauer ressaltou que já existe uma enorme flexibilidade em relação aos currículos nos instrumentos normativos da educação no país, permitindo que as escolas organizem os currículos de formas diversas. Para ele, “a proposta leva à fragmentação do ensino médio que é contrária a todos os pareceres do Conselho Nacional de Educação (CNE)”.

Em sua avaliação, a MP traz uma concepção de ensino médico instrumental, com uma divisão de oportunidades entre ricos e pobres, na qual os filhos dos trabalhadores serão lançados o mais rápido possível ao mundo do trabalho. “É preciso haver uma convergência entre os interesses dos jovens e o projeto educacional”, concluiu.

A professora Claúdia Maria Mendes Gontijo (UFES) apontou uma precarização do currículo a partir da reforma proposta pela medida provisória, que é fruto de um projeto que tem como objetivo a redução de recursos para a educação. “Essa é a política atual”, denunciou. Sobre a exclusão de determinadas disciplinas do currículo obrigatório, como a Educação Física, ela afirma que isso jamais poderia acontecer em razão da própria BNCC, que preconiza a formação integral do indivíduo.

 Cláudia Gontijo disse que a MP altera dispositivos centrais da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (citou os artigos 24, 26, 36, 61), cria uma cisão entre a formação acadêmica e a formação profissional e tecnológica, e empobrece as áreas do conhecimento. Na sua fala foram destacadas as tentativas de controle social através de uma proposta de trajetórias opostas para classes sociais distintas. Dessa maneira, questionou que condições os estudantes terão para fazer suas escolhas diante de um modelo que privilegiará apenas os mais ricos.

O reitor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), Julianeli Tolentino Lima, disse que o anúncio da MP provocou grande temor junto aos estudantes das licenciaturas, em especial aqueles que fazem os cursos que perderam a obrigatoriedade no currículo no ensino médio. “A MP está totalmente fora da realidade das escolas e trará mais problemas do que melhoria nos indicadores de desempenho dos estudantes”, afirmou.

“A educação ampla e gratuita é um dever do Estado que deveria ser garantido a todo cidadão, porém os governantes oferecem sempre menos do que é necessário. A nossa educação é sempre um processo de luta”, afirmou ele, que considera que a MP representará uma perda do pensamento crítico, lembrando que disciplinas como filosofia e sociologia foram retiradas das bases curriculares pela ditadura militar, sendo incorporadas apenas décadas depois.

Para o professor Gustavo Balduíno, Secretário Executivo da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES), um país desigual como o Brasil apresenta distorções que se revelam no sistema educacional. “É preciso contemplar na discussão temas como a condição socioeconômica dos estudantes e suas famílias, a formação dos professores e o piso nacional da carreira docente”.

Ele afirmou que além das questões do ensino médio, a reflexão deve considerar ainda o problema daqueles milhares de estudantes que não conseguem nem estudar nesse nível de ensino no país. Também disse ser muito importante mobilizar esforços para combater a PEC 241, que ameaça o financiamento da educação e tantas outras áreas fundamentais como saúde e segurança. “Precisamos transbordar esse debate para além do ambiente acadêmico e mobilizar a sociedade para intervir no processo decisório junto à classe política”, disse.

Por fim, a professora Roseli Sá, da Faculdade de Educação da UFBA, chamou atenção para “uma onda conservadora que ronda o debate sobre currículo”. Em seu entendimento, o discurso de que nada deu certo na educação, que se apresenta como inovador, na verdade traz consigo enormes retrocessos, a exemplo do projeto “escola sem partido”, considerada como uma forma de censura aos professores. Segundo ela, a MP desconsidera toda a discussão sobre a BNCC que está em andamento. A professora fez críticas aos formatos de “currículos oficiais únicos” e criticou a MP por privilegiar explicitamente apenas certas áreas de conhecimento em detrimento de outras. “Isso é um retrocesso”, finalizou.