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Dengue na gravidez pode ser três vezes mais letal, afirma estudo

O estudo foi publicado na revista Scientific Reports

A dengue na gravidez tem o triplo de chances de levar a mulher à morte; se for do tipo hemorrágica, essa chance chega a ser 450 vezes maior, sempre na comparação com grávidas que contraem a doença e sobrevivem. As razões disso podem estar ligadas à demora em diagnosticar a doença, o que pode estar retardando a intervenção médica adequada e, consequentemente, não estar sendo suficiente para impedir a morte dessas mães.

Essas são algumas das principais conclusões do estudo “Dengue in pregnancy and maternal mortality: a cohort analysis using routine data” (Dengue na gestação e mortalidade maternal: uma análise coorte usando dados de rotina), que tem como autora principal a pesquisadora Enny Paixão, doutoranda pela London School of Hygiene and Tropical Medicine com coorientação da professora Glória Teixeira, do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, onde Enny fez o mestrado. O estudo foi publicado no início deste mês na revista Scientific Reports, periódico científico do mesmo grupo que edita a respeitada revista Nature.

Enny chegou a essas conclusões após manipular estatisticamente informações de bases públicas de dados brasileiras, partindo de um universo de mais de 15 milhões de registros de mães. Filtrando essa massa de dados, a pesquisadora calculou o percentual de gestantes que tiveram dengue e morreram (12, de um total de 4.053 mortes de grávidas, ou 0,3%). Paralelamente, ela calculou o percentual de gestantes que contraíram dengue e sobreviveram (16,2 mil, de um total de 14,4 milhões de sobreviventes, ou 0,1%). A comparação entre esses dois grupos mostra que a dengue resultou em morte em uma quantidade de casos três vezes maior que o esperado, do ponto de vista estatístico.

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Tabela “Características da mãe e do parto em relação ao status de dengue, Brazil, 2006–2012”, que integra o estudo

Embora seja difícil precisar as razões dessa taxa de letalidade mais alta da dengue em grávidas, Enny indica algumas hipóteses. A mais evidente parece ser a possível confusão entre sintomas da gravidez e sintomas da doença, como alterações na concentração de hemácias no sangue, que podem levar a erros de diagnóstico e ao consequente retardo do início do tratamento contra a dengue, o que pode estar sendo fatal.

É possível também que a dengue provoque, de formas ainda desconhecidas, alterações hemodinâmicas que podem acarretar pré-eclâmpsia (uma complicação iniciada pouco antes da gravidez, relacionada ao aumento súbito da pressão sanguínea) visto que o estudo observou percentual maior de gestantes com essa condição no grupo com dengue em comparação ao grupo que não teve a doença (25% contra 19%). Outras razões, como a idade e a vulnerabilidade socioeconômica da gestante (local de moradia, grau de instrução formal etc.) também podem ajudar a entender melhor o quadro.

Todas as mortes de grávidas por dengue identificadas no estudo ocorreram no segundo e terceiro semestres da gestação. Além do aumento dos óbitos maternos, o risco de morte fetal também está aumentando quando a dengue ocorre durante a gestação, conforme Enny já havia observado em estudo anterior, publicado no ano passado pela também prestigiosa revista The Lancet Infectious Disease.

De todo modo, sejam quais forem as razões que expliquem a maior letalidade da dengue em grávidas, a pesquisadora enfatiza a urgência de se implementar políticas públicas de saúde voltadas não só a prevenir a doença ao longo da gestação – como, por exemplo, campanhas de alerta para o uso de repelentes ao mosquito transmissor – , mas, principalmente, a aguçar o olhar dos profissionais de saúde – que “devem observar as pacientes grávidas mais de perto, para serem capazes de intervir a tempo e evitar a morte”, afirma.

A pesquisadora sublinha ainda a importância de que registros de dados sobre saúde pública, como os de natalidade, mortalidade e incidência de doenças, utilizados no estudo, sejam feitos com a maior precisão possível pelos agentes dos sistemas público e privado de saúde: “O registro de dados corriqueiros com a maior acurácia possível é o que gera bases de dados mais completas, que podem servir para realizar vários estudos importantes”, observa.

Na realização da pesquisa, Enny cruzou probabilisticamente informações de três bases de dados públicas brasileiras: o Sistema de Informações sobre Nascimentos (Sinasc), que registra todos os nascimentos no país; o Sistema de Informação sobre Mortalidade (Sim), que registra todas as mortes; e o sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), que contém todos os registros de doenças notificadas por quem procura atendimento em locais especializados. O acesso aos dados foi viabilizado pelo Ministério da Saúde em parceria com Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde, ligado ao Instituto Gonçalo Moniz – Fiocruz/BA, coordenado pelo professor aposentado da UFBA Maurício Barreto.