“É preciso que o Brasil volte a ser uma Nação e volte a pensar com a própria cabeça”, afirmou o economista Luis Carlos Bresser-Pereira durante sua conferência no ciclo de debates “Desenvolvimento, Sociedade e Intervenções Governamentais”, promovido pela UFBA. Com a proposta de refletir sobre a reconstrução de um projeto democrático e nacional brasileiro, a palestra aconteceu na segunda-feira, 14, no salão nobre da reitoria, e já se encontra disponível no canal da TVUFBA no YouTube.
Bresser-Pereira foi ministro nos governos Sarney e Fernando Henrique Cardoso e um dos fundadores do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Mais identificado com um pensamento à esquerda do partido que ajudou a fundar em 1988 - e que deixou em 2010 -, ele falou sobre o documento que busca uma nova agenda para o país: o manifesto Projeto Brasil Nação, uma proposta de reordenamento econômico de centro-esquerda para o país, que já conta com mais de 11 mil assinaturas.
O documento reúne propostas para retomada de crescimento do Brasil, do ponto de vista econômico e social e propõe o “resgate do Brasil” e a “construção nacional”. O manifesto, lançado em 27 de abril deste ano, pode ser lido na íntegra no site http://www.bresserpereira.org.br/.
Bresser explicou que a motivação em criar o manifesto Projeto Brasil Nação se deu pelos atuais rumos do país, marcada por uma sociedade dividida e incapaz de apontar uma saída para a atual crise. Assim, um grupo de intelectuais de centro-esquerda formado por economistas, empresários, advogados, sociólogos, embaixadores, jornalistas, artistas e políticos foram convocados para pensar um projeto de desenvolvimento a longo prazo para o Brasil.
Ele elencou os cinco pilares presentes no manifesto que traça uma nova política macroeconômica para o país: 1. Controle das contas públicas e responsabilidade fiscal; 2. Taxa de juros mais baixas, que deveria estar em torno de 2%, contra os 6% a 8% praticados na atualidade, algo incompatível com o crescimento, em sua opinião; 3. Superávit na conta corrente do balanço de pagamentos, necessário para que a taxa de câmbio seja competitiva, o que fortaleceria a indústria brasileira; 4. Retomada do investimento público; 5. Distribuição de renda por meio do imposto progressivo, a exemplo do que acontece nos países escandinavos como a Suécia, onde os ricos pagam mais impostos que os pobres. No Brasil, afirma Bresser, o que prevalece é o imposto regressivo, responsável por onerar os mais pobres.
Tais pontos fazem parte do neodesenvolvimentismo, conforme explica o professor, uma forma de organização econômica e política do capitalismo, alternativa ao modelo neoliberal.
Aos 83 anos, Bresser, que é professor da Fundação Getúlio Vargas, também deu uma aula de história ao expor as principais políticas econômicas adotadas pelo Brasil e suas consequências ao longo de diferentes governos. Em sua opinião, a taxa de crescimento per capita de 1% ao ano, que acompanha o país desde os anos 1980, “é lamentável, quase uma estagnação”.
Ele acredita que tanto os governos de direita quanto os de esquerda foram incapazes de mover o país de uma política econômica liberal para implantar uma desenvolvimentista - pautada no crescimento da indústria e da infraestrutura, com participação ativa do Estado-, que permitisse o Brasil crescer.
A segunda parte do ciclo de debates teve a mediação do diretor da Faculdade de Economia Henrique Tomé e contou com os debatedores José Sérgio Gabrielli e Jorge Almeida, professores da UFBA, e o professor da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) Davidson Magalhães. O ex-reitor e governador da Bahia, professor Roberto Santos, completou a mesa.
Os debatedores indicaram suas próprias proposições em relação à recuperação do país num arco político de centro-esquerda, defendendo pontos de convergência e divergência as considerações feitas por Bresser-Pereira.
O professor José Sérgio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras entre os anos de 2005 a 2012, fez uma defesa às políticas dos governos Lula e Dilma, apresentando-as como não neoliberais, em razão do fortalecimento do Estado, dos bancos públicos, da elevação real do salário mínimo, do fortalecimento dos sindicatos, dos programas de transferência direta de renda como o Bolsa Família e as aposentadorias rurais, entre outras. “Diferente de um modelo liberal, o papel do Estado era central nestas políticas”, observou.
Já o professor Davidson Magalhães, que atualmente é deputado federal pelo PCdoB, falou sobre o “desmonte célere e profundo” do pacto social fruto da Constituição Federal de 1988 e do desenvolvimento dos últimos 12 anos, em especial nas áreas das políticas sociais, industriais, desenvolvimento regional e dos bancos públicos do país. Em sua opinião, o país passa por um processo de desindustrialização. “Parece que voltamos aos anos 30”, conta. Em consenso com Bresser-Pereira, ele acredita que é preciso haver um enfrentamento contra as taxas de juros altas, mas “não são apenas medidas de governo, é preciso uma mobilização social para o enfretamento de uma nova política econômica com mais profundidade”, destacou.
Por último, Jorge Almeida, professor de ciência política da UFBA, com um pensamento mais à esquerda, observou que qualquer discussão sobre um projeto nacional deve considerar os pontos presentes no manifesto, com exceção da primeira sobre responsabilidade fiscal, pois “tem sido entendida como a reserva de recursos para pagamento da dívida pública”. Ele acredita que é necessário discutir um projeto de Nação oferecendo alternativas em relação à própria dívida pública.
O vice-reitor Paulo Miguez recepcionou o grupo e lembrou que o Ciclo de Debates “Desenvolvimento, Sociedade e Intervenções Governamentais” é preparatório para o Congresso de Pesquisa, Ensino e Extensão da UFBA 2017, que ocorrerá entre os dias 16 e 18 de outubro deste ano. Seu objetivo é examinar propostas para uma saída democrática à crise que o país enfrenta.
Em 24 de agosto, a terceira e última parte do ciclo de debates abordará o tema “interpretações da sociedade brasileira” e será realizada no pavilhão de aulas Glauber Rocha, Paf III, Ondina, de 8h30 às 18h.