O Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares em Ecologia e Evolução (IN-TREE) vem realizando uma série de atividades ligadas à exploração de uma nova teoria na área da filosofia da biologia, a da autonomia biológica. Em julho passado, quatro professores visitantes – uma argentina, um norte-americano e dois europeus – estiveram na UFBA com o propósito de debater a teoria, que tem conexão com um dos projetos temáticos do INCT, “Função e restrição na ecologia e evolução”. Em setembro, três deles, junto com vários pesquisadores, incluindo os professores Charbel El Hani, coordenador do IN-TREE, e Nei de Freitas Nunes Neto, irão discutir e avaliar essa nova teoria no workshop internacional “Organization as a Theoretical Principle for the Life Sciences” (Organização como um Princípio Teórico para as Ciências da Vida), em Paris.
Os professores visitantes que se encontraram no campus de Ondina, em julho, foram Samuel Scheiner, da Fundação Nacional de Ciências dos Estados Unidos (NSF), Matteo Mossio, da Universidade de Paris, Ana Soto, da Universidade Tufts, em Boston, e Andrea Gambarotto, da Universidade de Louvain, na Bélgica, todos envolvidos com construção de teorias do organismo e da autonomia biológica.
“A teoria da autonomia biológica começou a ser desenvolvida há cerca de 40 anos na Universidade do País Basco, na Espanha. Pesquisadores do Centro para Pesquisa da Vida, Mente e Sociedade (IAS) perceberam que a biologia carecia de uma teoria apropriada e consistente sobre o funcionamento do organismo”, diz Charbel. A partir daí, visando a preencher o vazio conceitual presente na teoria evolutiva, na bioquímica e em outras áreas que terminaram por colocar o organismo em um plano secundário, “a teoria da autonomia biológica propõe um novo olhar sobre o organismo, atribuindo-lhe um papel ativo, autônomo e funcional”, completa o professor Charbel El Hani
A considerar a visão de Fred Keijzer, professor do departamento de filosofia teórica da Universidade de Groningen, Holanda, em seu artigo de revisão “Matching concepts and phenomena: A review of Biological Autonomy”, publicado na revista Adaptive Behaviour, em novembro de 2016, o que se tem aqui é “uma teoria holística da filosofia da biologia, que reflete a capacidade dos organismos vivos se manterem ao longo do tempo como entidades autônomas capazes de resistir a uma ampla variedade de perturbações externas” (p.479). Nessa teoria, está a ideia de que os organismos constituem um todo organizado que manipula ativamente as condições para sua própria existência através da interação com o meio ambiente.
Para compreender melhor os processos que regulam o funcionamento dos organismos vivos, três conceitos devem ser entendidos: autopoiesis (autopoiese), closure (fechamento) e constraints (restrições). O primeiro, segundo os biólogos Francisco Varela e Humberto Maturana, citados por Fred Keijzer, refere-se à capacidade de os organismos vivos produzirem seus próprios componentes, num processo contínuo que leva ao que eles chamam de ‘fechamento/encerramento operacional’. Esse segundo termo refere-se à organização circular de processos biológicos produzindo ativamente um novo estado equivalente ao inicial.
Matteo Mossio, um dos professores que estiveram na UFBA em julho, e Álvaro Moreno, também pesquisador do IAS-Research, interpretam o encerramento como uma série de processos de auto-manutenção e a maneira como esses processos dependem da produção contínua de energia e matéria.
Por fim, o terceiro termo, restrições, refere-se à capacidade de um organismo condicionar a ocorrência e a forma dos processos que se dão em sistemas auto-organizados. “O que é especial e característico para os sistemas vivos é que estes são capazes de restringir-se de dentro e, portanto, capazes de autodeterminação. Os processos que compõem o sistema não são totalmente dependentes de restrições externas, mas de restrições interiores do sistema.”, escreveu Fred Keijzer.
Fonte: EdgarDigital