Início >> Ufba Em Pauta >> Lições e memórias da mestra fundadora no aniversário do Museu Afro-Brasileiro

Lições e memórias da mestra fundadora no aniversário do Museu Afro-Brasileiro

Yeda Castro abre comemorações pelos 35 anos do MAFRO

Os caminhos para a criação do Museu Afro-Brasileiro (MAFRO) e os desafios enfrentados nesse processo foram relembrados por Yeda Pessoa de Castro na conferência de abertura do ciclo comemorativo pelos 35 anos de criação do museu, que aconteceu na quinta-feira, 26, no auditório da Faculdade de Medicina da UFBA – prédio que abriga o Mafro desde a sua inauguração.

Etnolinguista e professora aposentada da UFBA, Yeda Castro foi diretora do Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO/UFBA), quando ajudou a fundar o Museu Afro-Brasileiro em Salvador, no início dos anos 1980.

O museu foi concebido com o intuito de estreitar as relações com a África, tendo em vista a importância do continente na formação da cultura brasileira, constituindo-se num espaço de referência para ações de afirmação identitária. “Além de comemorar a trajetória de resistência do museu, é muito importante seguir em defesa da pluralidade cultural e promover um reencontro com a nossa história”, destacou a professora.

Yeda Castro conta que o museu surgiu como um setor do Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO), a partir de um programa de cooperação cultural entre o Brasil e países africanos, idealizado em 1974 pelo professor Guilherme Souza Castro, seu marido e então diretor do centro. O projeto original do museu, concebido pelo antropólogo e fotógrafo Pierre Verger, foi desenvolvido por ela em parceria com a arquiteta Jacyra Oswald, dentre outros professores e pesquisadores da UFBA e consultores externos.

Anos depois, Yeda Castro assumiria a direção do CEAO, que passava por um período de crise desde a reforma universitária promovida no final da década de 1960, quando vários professores foram deslocados para outros departamentos da universidade. “A falta de professores foi um problema, mas, por outro lado, a ida desses profissionais para outras unidades de ensino gerou resultados muito positivos, como a criação do primeiro curso de história da África a ser oferecido por uma universidade brasileira, por iniciativa da professora Marli Geralda Teixeira (oriunda do CEAO)”.

Ela afirma que naquele momento havia também a intenção de instalar a Fundação Rockfeller no prédio onde funcionava a unidade de ensino. “Foi então que os funcionários do CEAO, junto com mães de santo como Stella de Oxóssi e Olga de Alaketu, e a professora Consuelo Pondé, me procuraram com o pedido de que eu assumisse a direção do centro, o que foi aceito”, relembrou.

Porém, a indicação de seu nome ao cargo provocou críticas por parte de alguns segmentos do movimento negro que recusavam uma branca na direção do centro. “Como boa baiana, que gosta de capoeiragem, eu consegui conversar com todo mundo, sem maiores conflitos, e até hoje não tenho um só desafeto”.

A professora destacou a contribuição decisiva do reitor Macedo Costa, que encampou a ideia de criar o MAFRO e juntos eles compuseram uma comitiva que viajou à África a fim de adquirir obras para exposição. O museu foi inaugurado no dia 7 de janeiro de 1982, com um acervo de aproximadamente 1.200 peças.

O lugar escolhido para a instalação do museu foi o prédio da Faculdade de Medicina da UFBA, no Centro Histórico de Salvador, em razão deste ter sido o lugar onde se iniciaram os estudos afro-brasileiros no país, com Nina Rodrigues. No entanto, a professora revelou sua posição pessoal contrária ao local escolhido, por prever uma reação negativa por parte da classe médica baiana – o que de fato ocorreu. Ela recorda que, para muitos, o fato era considerado uma mácula para a Faculdade.

Em seu entendimento, ainda hoje há um preconceito em relação aos estudos africanos no meio acadêmico. Ela, que dá aulas sobre o assunto em diversos países do mundo – seja na Europa ou na África – nota uma resistência ao tema especialmente no Brasil.

A instalação do Museu Afro-Brasileiro foi definida a partir de um convênio envolvendo a Universidade Federal da Bahia, o Ministério da Cultura, o Ministério das Relações Exteriores, o governo do Estado da Bahia e a prefeitura de Salvador.

À frente do Museu, a professora Yeda criou diversos programas com o intuito de aproximar a comunidade da instituição, abrindo espaço para novos artistas, para o lançamento de livros, exposições de quadros, desfile de moda, etc. Ela também decidiu abrir a biblioteca do CEAO para a população, o que lhe rendeu naquele tempo a acusação de estar vulgarizando a universidade.

Em sua fala, Yeda demonstra o orgulho por aquela inciativa e os seus resultados: “A abertura da biblioteca permitiu que representantes dos blocos afro de Salvador pudessem pesquisar os seus temas de carnaval em nosso acervo”.

Ela ressaltou a importância do museu para o desenvolvimento dos estudos afro-brasileiros no nível acadêmico e também a sua contribuição junto à comunidade. “A universidade não deve ficar isolada e nem se voltar apenas para um tipo de conhecimento eurocêntrico, ela precisa estar associada ao meio em que está inserida”, disse.

Durante a conferência, ela compartilhou fotografias e notícias de jornais do tempo em que dirigiu a instituição, revelando o grande interesse dos veículos de comunicação sobre o museu, que recebeu ao longo de sua história a visita de muitos presidentes, ministros de Estado e embaixadores.

Por fim, Yeda Castro cobrou que fossem expostas novamente no espaço as roupas e indumentárias de personalidades como Mãe Menininha do Gantois, Mestre Pastinha e Moacir de Ogum, que foram doadas ao acervo do museu e no momento estão guardadas na reserva técnica, aguardando as condições adequadas para exposição.

O evento contou com a participação da professora Maria das Graças Teixeira, atual diretora do MAFRO, Marcelo Cunha, ex-coordenador do museu, Samuel Vida, professor da Faculdade de Direito da UFBA, e da pró-reitora de Extensão Fabiana Dultra Britto, representando o reitor João Carlos Salles, além de estudantes, líderes religiosos e representantes de organizações sociais.

 

Yeda Pessoa de Castro

Ao longo de mais de 40 anos de carreira, Yeda Pessoa de Castro dedicou-se a estudar a influência da fala dos povos de origem africana na formação do português do Brasil. Seu estudo sobre ioruba e iwe-fon foi a primeira dissertação de mestrado de um brasileiro numa universidade africana, realizado na Nigéria. Na sequência, concluiu o doutorado em Línguas Africanas pela Universidade Nacional do Zaire.

Etnolinguista e professora aposentada da UFBA, Yeda Castro é autora dos livros Falares Africanos na Bahia: um vocabulário afro-brasileiro (Academia Brasileira de Letras / Topbooks, 2001, 2.ed., 2005), considerado pela crítica como a obra mais completa já escrita sobre línguas africanas no Brasil, e A língua mina-jeje no Brasil: um falar africano em Ouro Preto do séc. XVIII (Fundação João Pinheiro, Secretaria de Cultura de Minas Gerais, 2002, Coleção Mineiriana).

Atualmente é consultora técnica e professora na Universidade do Estado da Bahia (UNEB), onde atua como dirigente fundadora do Núcleo de Estudos Africanos e Afro-brasileiros em Línguas e Culturas (NGEALC). É consultora técnica em Línguas Africanas do Museu da Língua Portuguesa na Estação da Luz, em São Paulo, e membro ocupante da 11º cadeira dos imortais da Academia de Letras da Bahia.

 

 

(Foto: Ramana Vasconcellos)