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Seminário debate economia mundial em torno do tráfico de escravos

Evento terá lançamento do livro “Atlântico de dor”

O tráfico de pessoas escravizadas entre África e Brasil, do século XVI ao XIX, não serviu apenas para suprir as necessidades de mão-de-obra da economia da colônia e do império. Por trás da malha de rotas dos navios negreiros, edificava-se toda uma economia transatlântica, que envolvia não só o sequestro e a comercialização de pessoas em África, como uma enorme e complexa dinâmica de produção e circulação de mercadorias e culturas, ligando África, Américas, Europa e Ásia numa verdadeira “economia-mundo”. Essa economia é o tema da Conferência “Poder e dinheiro na era do tráfico: escravidão e outros laços econômicos entre África e Brasil”, que reúne, no PAF 1 (Ondina), entre os dias 15 e 17 de março, grandes nomes nacionais e internacionais da pesquisa dessa temática.

O evento é resultado de uma parceria entre o King’s College London, através dos historiadores Toby Green e Carlos Silva Jr., e o Grupo de Pesquisa Escravidão e Invenção da Liberdade, do Programa de Pós-Graduação em História da UFBA, através do historiador João José Reis, professor da Universidade. No Kings College, Green e Silva Jr. integram o projeto de pesquisa “Money, Slavery and Political Change in Precolonial West Africa” [Dinheiro, Escravidão e Transformação Política na África Ocidental Pré-colonial], que estuda as relações entre o tráfico de escravos e a história econômica africana. Já João Reis, autor de respeitada e extensa bibliografia, é um dos principais nomes da historiografia contemporânea sobre a escravidão no Brasil.

Aliás, a programação do evento [ver abaixo] reúne tantos reconhecidos pesquisadores, que se torna difícil definir algum “destaque”. Luiz Felipe de Alencastro, ex-professor da Sorbonne (Paris) e atualmente pesquisador na Fundação Getúlio Vargas, fará a conferência de abertura, “Escravidão e tráfico na formação do Brasil”, na quarta feira, 15, às 18h30. Alencastro foi quem primeiro defendeu a tese que atrela o processo de institucionalização da captura e comercialização de escravos em Angola, ainda no século XIV, à formação histórica do Brasil – que desde então, por decisão da Coroa Portuguesa, passou a ser o principal local de desembarque de pessoas trazidas da África.

Na quinta, 16, dois pesquisadores guineenses – Carlos Cardoso, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep) de Guiné Bissau, e José Lingna Nafafé, da Universidade de Bristol, Reino Unido – debatem o tema “Circulações e Intercessões no Atlântico: imaginando e construindo pontes entre a África Ocidental e o Brasil”, abrindo as discussões.

Em seguida, a programação conta com cinco painéis temáticos, com a presença de nomes como o do baiano Paulo de Morais Farias, pesquisador da Universidade de Birmingham (Reino Unido), um dos maiores medievalistas africanistas, Joseph Miller, da Universidade da Virginia (EUA), que já nos anos 1980 apontava a importância de se estudar o comércio de cachaça e a navegação direta Brasil-África, Lisa Castillo, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), uma das principais pesquisadoras sobre o candomblé, e Mariana Candido, da Universidade Notre Dame (França), que pesquisa  história da África Ocidental durante a era do tráfico. A programação conta ainda com o professor da UFBA Luis Nicolau Parés, cuja obra, na fronteira entre a história e a antropologia, tem foco nas populações afro-brasileiras e da África ocidental.

“É um seminário que trata da escravidão, mas que toca em temas como economia, dinâmicas históricas da sociedade brasileira, religiões, história da África. Qualquer pessoa que tenha interesse na temática afro-brasileira e africana vai gostar do evento”, resume Carlos Silva Jr. , historiador baiano com graduação e mestrado pela UFBA, e doutorado pela Universidade de Hull, na Inglaterra. Na realização do evento, o King’s College e a UFBA contam com o apoio da Fundação Pedro Calmon (Secult/Governo da Bahia). Silva Jr e João Reis lançam, na quinta, 16, às 16h30, o livro Atlântico de dor: faces do tráfico de escravos, uma coletânea de ensaios publicados originalmente na revista Afroásia (CEAO/UFBA), organizada por eles.

O tráfico de pessoas escravizadas para o Brasil movimentou, em geral, duas grandes regiões na África: Angola, na região centro-ocidental africana; e, mais ao norte, a Costa da Mina, na região ocidental. As principais mercadorias produzidas no Brasil e aceitas como pagamento em troca de pessoas escravizadas eram a aguardente, mais valorizada no mercado angolano, e o tabaco, bem-vindo na Costa da Mina. Mas, como os pagamentos para encher os “tumbeiros” [navios negreiros] eram feitos geralmente com cestas de produtos variados, entravam na rota da economia escravista os tecidos indianos, as manufaturas industriais do noroeste europeu (panos, armas e ferragens), os vinhos portugueses, entre outras mercadorias, ouro e mesmo conchas preciosas (os chamados cauris). Ou seja: muitos séculos antes que se começasse a falar em “globalização”, as demandas e a concorrência gerada pela economia do tráfico já atuavam no sentido de definir a lógica de produção e circulação de mercadorias e de pessoas ao redor do globo.

 

Programação

15 de março, quarta feira, 18h30 – 21h

  • 18h30: Mesa de Abertura: Reitor João Carlos Salles ou representante da Reitoria; Wlamyra Albuquerque (Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em História/PPGH-UFBA); Toby Green (King’s College London); Carlos da Silva Jr. (King’s College London); João José Reis (Universidade Federal da Bahia).
  • 19h: Conferência de abertura: Escravidão e tráfico na formação do Brasil
  • Conferencista: Luiz Felipe de Alencastro (Fundação Getúlio Vargas, Brasil).

Coordenador: João José Reis

 

16 de março, quinta feira, 9h30h – 21h

 

  • Abertura da sessão, 9h30 – 10h15: Carlos Cardoso (INEP, Guiné Bissau): “Circulações e Intercessões no Atlântico: imaginando e construindo pontes entre a África Ocidental e o Brasil”.
  • Coordenador: José Lingna Nafafé (University of Bristol, UK).
  • 10h30 – 12h30: Painel I: Política, economia e sociedade na era do comércio atlântico de escravos
  • José Curto (York University): “Migração forçada e livre no Atlântico Sul: Benguela e Rio de Janeiro, c. 1700-1850”.
  • Mariza Soares (Universidade Federal Fluminense): “O lugar do rei: guerra e diplomacia no Daomé em 1810″.
  • Jaime Rodrigues (Universidade Federal de São Paulo): “‘Portugueses vassalos deste Reino Unido’: interesses lusos no tráfico de africanos para o Brasil, 1818-1828”.
  • 12h30 – 14h30: Intervalo para almoço
  • 14h30 – 16h00: Painel II: Experiências atlânticas
  • Paulo Farias (Universidade de Birmingham): “Expertise levada à África por retornados do Brasil: questões históricas a respeito da tecnologia açucareira no Califado de Sokoto a partir de 1829-1836”.
  • José Lingna Nafafé (Universidade de Bristol): “Escravidão e liberdade no mundo atlântico lusófono: forças econômicas contra o discurso de Lourenço da Silva de Mendonça, século XVII”.
  • Mariana Candido (Universidade de Notre Dame): “A circulação de mulheres africanas livres no Atlântico Meridional, Século XIX”.
  • 16h30 Lançamento do livro Atlântico de dor: faces do tráfico de escravos, organizado por João José Reis e Carlos da Silva Jr.
  • 18h30 – 21h00: Painel III: Biografias atlânticas
  • Luis Nicolau Parés (Universidade Federal da Bahia): “Africanos, libertos e comerciantes: uma comunidade mercantil atlântica na fronteira da legalidade (1835-1845)”.
  • Candido Domingues (Universidade Nova de Lisboa): “Investimentos e riscos de uma viagem negreira na rota Bahia-Costa da Mina: o caso da corveta Nossa Senhora da Esperança e São José, 1767”.
  • Kristin Mann (Universidade de Emory): “Salvador, 1800-1850: uma sociedade dependente do tráfico de africanos. Duas perspectivas familiares”.

 

17 de março, sexta feira, 9h30 – 17h30

  • 9h30 – 12h30: Painel IV: Salvador e a economia atlântica na era da abolição
  • João José Reis (Universidade Federal da Bahia): “O tráfico negreiro e o escravo senhor de escravo: Bahia, 1800-1850”.
  • Lisa Castillo (Universidade de Campinas): “Conexões atlânticas no Candomblé da Bahia no século XIX”.
  • Mary Hicks (Amherst College): “Panos como línguas: panos de costa, marinheiros libertos e escravos, e quitandeiras africanas em Salvador da Bahia (1797-1850)”.
  • 12h30-14h: Intervalo/Almoço
  • 14h – 16h: Painel V: Crédito e dinheiro no tráfico atlântico
  • Joseph C. Miller (Universidade de Virginia): Crédito, cativos, colateral, e moeda corrente: Dívida, escravidão, e o financiamento do mundo atlântico”.
  • Carlos da Silva Jr. (King’s College London): “Da Índia para a África Ocidental via Bahia: búzios e a economia trans-oceanica na era do tráfico”.
  • Toby Green (King’s College London): “Prata, cera, panos e trigo: economias de produção e trocas no mundo pan-atlântico antes de 1700”.
  • 16h30 – 17h30: Encerramento da conferência: Perspectivas para a história econômica e social da África e da diáspora africana.
    Mesa redonda com Luiz Felipe de Alencastro, Kristin Mann, Joseph C. Miller, Mariza de Carvalho Soares e Carlos Cardoso.
  • Coordenador: Paulo de Moraes Farias.

 

Fonte: EdgarDigital