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Precarização envolve também novas e tecnológicas formas de trabalho

"Mercadoria conhecimento" traz nova forma de exploração

 

As diferentes formas de trabalho tidas como inovadoras, mas que trazem características pretéritas de exploração, travestidas em novas tecnologias foram o tema da mesa de debates sobre Relações de Trabalho e Acumulação de Capital no Brasil, realizada na tarde desta sexta-feira (16), no auditório da Escola de Enfermagem, da Universidade Federal da Bahia (Ufba), dentro da programação do Fórum Social Mundial.  Pesquisadora especialista no tema da precarização das relações trabalhistas, a professora Graça Druck, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Ufba, conduziu as atividades da mesa, que ainda contou com a participação dos professores Luiz Filgueiras e Genauto França Filho, respectivamente das faculdades de Economia e Administração da Ufba, além de Gabriel Kraychete, da Universidade Católica do Salvador (UCSal).

 

Graça Druck alertou os participantes de que a questão da precarização do trabalho vai além dos últimos fatos de exploração da mão de obra ocorridos no País, gerados pela chamada reforma trabalhista. "Trata-se, na verdade, de um processo mundial e multifacetado do capitalismo globalizado e que representa, antes de tudo, uma forma política de dominação", afirmou. "Ou seja, quanto mais precarizado o trabalho, menos o trabalhador terá condições de fazer frente ao domínio capitalista, gerando um grau de desagregação, assim como acontece com a sociedade, quando enfrenta altos níveis de desemprego", explicou.

 

"Uberização" e a lógica capitalista

 

O caso do aplicativo Uber, que conduziu muitos dos participantes do Fórum aos campi, saiu dos limites do estacionamento para ser tratado como pauta das discussões. "É uma relação assalariada disfarçada de trabalho autônomo, que não foge da lógica capitalista da precarização, ao contrário", alertou o professor Filgueiras. Ele lembrou que todas as empresas que atualmente trabalham apenas com a chamada "mercadoria conhecimento", como aplicativos, representam uma nova forma de exploração da lógica neoliberal. 

 

É o caso não só da gestora do aplicativo de transporte com veículos particulares, mas também, como lembra Filgueiras, das empresas que disponibilizam ferramentas de comunicação, como Google e Whatsapp. "Essas organizações de referência no Vale do Silício (EUA) só produzem uma única vez a matéria conhecimento, ou seja, seus produtos tecnológicos; para, depois, vender o direito de uso à sociedade, num fenômeno sui generis de uma empresa capitalista sem capital", disse. 

 

"São empresas que estão hoje, portanto, no topo da acumulação de capital, no que podemos chamar de 'vanguarda' da exploração do trabalho". Segundo a análise do professor, no caso do Uber, a empresa dona do aplicativo ainda se utiliza do capital do trabalhador (carro, smartphone, etc), estabelecendo, unilateralmente, as regras e ainda põe o usuário para fiscalizar o motorista, ficando ainda com parte da renda, além de vender o uso do aplicativo para que este possa trabalhar.

 

Economia popular e solidária

 

As formas de economia popular urbana, a exemplo da venda de "geladinho" pela dona de casa, que não se classificam nas estatísticas como trabalho assalariado, nem como não-assalariado, nem microempreendedor individual ou mesmo economia informal, foram destacadas pelo professor Gabriel Kraychete. Ele ressaltou que o fenômeno se traduz com "o que sobra" nas estatísticas. "No país, apenas 35% da população faz parte da população economicamente ativa; sendo 26% na Bahia e 38% na Região Metropolitana de Salvador (RMS); considerando o trabalho seguro de serviço público e também as formas de trabalho precário, os índices sobem apenas para 50%, no Brasil, e 36%, na Bahia", frisou. 

 

O professor Genauto França, coordenador da Incubadora Tecnológica de Economia Solidária da Faculdade de Administração da Ufba, abordou o tema pela ótica do trabalho emancipado e democratização. Lembrou que, historicamente, a ideia de democratização do trabalho foi vista, a princípio, como uma maior participação do trabalhador na empresa; depois, passou para a ideia de controle cidadão da empresa, numa espécie de auditoria cidadã do mercado; culminando, agora, com a noção de democracia econômica, pensada para processos de organização econômica, onde se encaixa melhor a análise da questão da economia solidária. "Trata-se de um fenômeno ligado ao direito ao trabalho associado e coletivo, dentro do desafio de uma contracultura social em que se estimula cada vez mais o individualismo", concluiu.