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Com mais de 12 mil atendimentos em 6 anos, Programa de Saúde Mental da UFBA adotará ‘chatbot’

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O psicanalista e psiquiatra Marcelo Veras abordou o tema da Saúde Mental na Universidade e as estratégias de prevenção ao suicídio, em palestra promovida pela Reitoria da UFBA, no dia 20 de setembro, na Biblioteca Universitária de Saúde, no Canela. Veras é coordenador do Psiu! (Programa de Saúde Mental e Bem Estar) da UFBA, que oferece escuta acessível a toda a comunidade universitária para o acolhimento de questões que causam angústias e tensões, sejam elas ligadas à vida acadêmica ou a outros assuntos que afligem a vida das pessoas.

Referência nacional como dispositivo universitário para prevenção de suicídio, com mais de 12 mil atendimentos já realizados em seis anos, o Psiu! deverá adotar em breve um novo recurso tecnológico, para facilitar o acesso a esse importante serviço. Trata-se do Chatbot Psiu, sistema que irá otimizar do registros e acelerar o fluxo de atendimento para garantir o acesso mais direto ao acolhimento humano e evitar casos de desistência. Também permitirá a construção do painel de acompanhamento em saúde mental na universidade, com informações sobre as demandas específicas de cada curso, as demandas sazonais, entre outras questões.

Durante a palestra, os índices alarmantes de tentativas de suicídios no Brasil e no mundo foram enfatizados pelo psiquiatra, que considera que “é preciso falar da morte para valorizar a vida”. “Esse é um tema que tem que ser abordado com certa leveza e prudência”, avalia. De acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), em 2019, 97.339 pessoas morreram de suicídios na região das Américas. Trata-se da quarta causa de morte entre jovens brasileiros de 15 a 29 anos, depois de acidentes de trânsito, tuberculose e violência interpessoal/social.

O Psiu! surgiu como uma atividade de extensão, em 2017, realizada inicialmente no modelo presencial, com plantões acolhedores prestados pelos profissionais da equipe na sede da Pró-reitoria de Ações Afirmativas e Assistência Estudantil (Proae), que atendiam as demandas que surgiam espontaneamente, muitas vezes de pessoas encaminhadas por parentes, namorados(as) ou colegas de turmas.

Em 2020, em razão da pandemia, os atendimentos passaram a ser feitos de forma virtual, através do contato telefônico. Segundo o coordenador do Programa, a demanda cresceu bastante durante a crise sanitária e permanece em alta no contexto pós-pandêmico – uma vez que o atendimento por meio do telefone permitiu atender com mais agilidade o enorme volume de solicitações. Para acessar o Psiu!, membros da comunidade universitária podem enviar mensagem para o número 71 987071041.

“Constatamos que a melhor maneira de atender à comunidade UFBA é através da virtualidade”, observa Veras, que aponta a vantagem de evitar deslocamentos e possibilitar o atendimento de pessoas em diferentes localizações. O psiquiatra explica que a equipe de profissionais que integra o programa se reúne semanalmente através de um grupo de aplicativo voltado para a discussão dos casos. Atualmente, a equipe é formada por 32 colaboradores e 3 preceptores – entre eles o próprio Marcelo Veras, junto com os psicólogos da UFBA Marta Macedo e Luís Felipe Monteiro.

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O coordenador do Psiu! falou sobre as diversas situações que são identificadas e que muitas vezes revelam situações de tensões e sofrimentos psíquicos. A partir de escuta clínica, a equipe avalia os e encaminha demandas que surgem nas sessões de acolhimento. Em alguns casos, são situações a serem tratadas pela Ouvidoria da universidade.

Veras ressaltou o desafio de atender a uma comunidade acadêmica que é formada por quase 60 mil pessoas, incluindo estudantes, servidores docentes e técnicos. Para assegurar o atendimento para todas as pessoas que buscam o serviço, foi estabelecida a possibilidade de 8 sessões para cada pessoa atendida, embora essa quantidade possa ser ampliada a depender do caso avaliado.

Saúde mental, redes sociais e juventude

O serviço é demandado sobretudo pelos estudantes, informa o coordenador, que chama atenção para as questões de saúde mental que têm afetado particularmente os jovens e a relação disso com o uso de dispositivos móveis e redes sociais. Veras citou resultados de pesquisas de universidades americanas, que apontam que o tempo médio de uso que os jovens ficam em uma mesma tela é de apenas 20 segundos, com imagens e aplicativos que se alternam constantemente em dispositivos móveis – uma quantidade muito grande de informações, sem que haja tempo para processá-las. Isso muitas vezes compromete a percepção de mundo dos indivíduos e a sua capacidade de lidar com frustrações.

Marcelo Veras observa que as redes sociais têm causado uma frustração generalizada, fazendo com que o indivíduo que já está fragilizado sinta-se fracassado diante de um mundo virtual em que todos se mostram felizes, menos ele. De acordo com a sua percepção, há um estímulo à produção de frustrações e até mesmo doenças como a anorexia.

Veras fez referência à mudança promovida dos últimos anos no tecido social da universidade e as suas repercussões que precisam ser enfrentadas. Citou questões que afetam populações vulneráveis e vítimas de violências e privação de direitos. “Chegam casos em que a gente percebe uma extrema precariedade social”, disse.

Diante disso, considera que é preciso refletir também sobre as causas sociais, políticas e culturais que levam as pessoas ao suicídio. “O Setembro Amarelo tem que ser um mês de reflexão sobre o que o mundo está fazendo com a gente”, defendeu ele, constatando a existência de uma necropolítica que pode fazer com que as pessoas desistam da vida em razão da falta de perspectivas: “Há políticas que levam o sujeito a se matar”.

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Em referência as redes sociais e aplicativos que multiplicam imagens que se alternam em ritmo frenético, Marcelo Veras diz que é preciso reverter a lógica de que uma imagem vale mais do que mil palavras. “Para nós, mil palavras valem muito mais que uma imagem. O que a gente tenta oferecer a esses jovens é oferecer mil palavras, que eles falem essas palavras […] A gente precisa dar para eles uma noção de que o discurso deles continua e de que a vida e os dramas deles não vão ser equacionados em 20 segundos como nas telas dos smarthfones. Então, essa possibilidade que o Psiu! tem de esticar a prática da palavra e da escuta que eu considero o verdadeiro sucesso do Psiu!”, afirmou.

O Programa de Saúde Mental e Bem Estar da UFBA já atendeu mais de 12 mil pessoas e é uma referência nacional como dispositivo universitário para prevenção de suicídio. “Esse sistema de estar atento e oferecer atendimento clínico é fundamental”, avalia Marcelo Veras, que ressalta a urgência da atuação em momentos de crise. Ele tem apresentado as repercussões positivas da iniciativa na UFBA e as estatísticas que comprovam o seu êxito, compartilhando o relato dessa experiência com outras universidades brasileiras, como a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Federal Fluminense (UFF).