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Artesãos de Maragogipinho e Saubara recebem apoio da UFBA e governo estadual

Acordo de cooperação foi assinado no final de março

A UFBA e o Governo do Estado assinaram no final de março um acordo de cooperação para dar subsídios ao processo de obtenção do registro de “Indicação Geográfica” e/ou “Marca Coletiva”, uma espécie de selo de qualidade e autenticidade, que as comunidades de Maragogipinho e Saubara vão pleitear para o artesanato que produzem tradicionalmente, ou seja, cerâmicas e renda de bilro. Esse certificado é emitido no país pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e cria condições mais vantajosas para a colocação de produtos locais no mercado internacional.

O que se pretende com o acordo de cooperação é oferecer às associações de oleiros e rendeiras o suporte de especialistas e outros apoios técnicos para que as duas comunidades do Recôncavo baiano possam atender às exigências do INPI em relação à certificação buscada. A UFBA, por exemplo, deve por à disposição dessas associações pesquisadores  das áreas de história, geografia, propriedade intelectual, ciências contábeis, mobilização social e design. Já a Secretaria de Trabalho, Emprego, Renda e Esporte vai disponibilizar técnicos para acompanhar o desenvolvimento artesanal e elaborar os relatórios correspondentes. Os dois lados do acordo foram representados na cerimônia de assinatura, durante o X Encontro de Artesãos da Bahia, pelo vice-reitor Paulo Miguez e pela secretária Olívia Santana.

As indicações geográficas, observa a coordenadora de propriedade intelectual da Pró-Reitoria de Pesquisa, Criação e Inovação (Propci), Angela Rocha, são uma modalidade de propriedade intelectual, a exemplo de marcas, patentes e direitos de autor.  No entanto, difere destas por não ter apenas o lucro como foco ou sua apropriação por um um indivíduo ou pequeno grupo. Em vez disso, procura representar e proteger o interesse de uma coletividade.

“Acreditamos na obtenção do registro pelas duas comunidades em razão do seu nível de organização”, diz Angela, ao referir-se à  Associação das Artesãs de Saubara, a Casa das Rendeiras, e à Associação de Auxílio Mútuo dos Oleiros de Maragogipinho (Aamom). Angela Rocha enfatiza que a UFBA e o governo do estado atuarão como mediadores na obtenção das indicações geográficas,  já que apenas as comunidades podem pleitear o ganho do selo, de caráter vitalício.

O distrito de Maragogipinho, pertencente à cidade de Aratauípe, a 58 km de Salvador, ganhou em 2004 menção honrosa no Prêmio Unesco de Artesanato para a América Latina e Caribe como o maior centro cerâmico da América Latina. Tem dezenas de olarias às margens do Rio Jaguaripe. Marcada por um estilo que vem sendo passando de geração a geração desde a época da escravidão, na produção cerâmica do pequeno distrito estão objetos de decoração e utilitários diversos, de santos de barro a panelas que, segundo o saber local, dão sabor especial à comida.

Diferentemente da população de Maragogipinho, que tem no artesanato a principal fonte de renda, os moradores de Saubara, a 120 km de Salvador, tiram do mar a base de seu sustento: os homens, na atividade de pesca, as mulheres catando mariscos. Mas a renda de bilro entra nessa equação para complementar a renda e manter viva uma arte. As artesãs trabalham com as técnicas que aprenderam desde crianças para produzir a renda de bilro que já ganhou duas vezes o Prêmio Top 100 artesanato do SEBRAE, considerado uma das grandes honrarias desse segmento econômico.

Alcides Caldas, professor do Instituto de Geociências (IGEO), lidera o grupo de pesquisa Território, Propriedade Intelectual e Patrimônio (Terpi), responsável pelos levantamentos preliminares para a elaboração dos documentos indispensáveis aos pedidos de  indicação geográfica de Maragogipinho e Saubara. Em sua visão, esse selo “assegura reconhecimento, confiança e aumento da autoestima a um conjunto de produtores, além de proporcionar uniformização da produção e condições para competir no mercado comercial”. A contrapartida, contudo, deve existir, com a responsabilidade de fornecimento de um produto de qualidade e confiabilidade de procedência.

“As indicações geográficas têm um potencial considerável na geração de empregos locais, diminuindo assim a pressão do êxodo rural, garantindo dessa forma o direito de ficar da população, com melhor qualidade de vida”, diz o professor, nesse momento em estágio de pós-doutorado na França, no Centro de Pesquisa Agrícola para Desenvolvimento (Cirad), de onde falou ao Edgardigital. Ele integra o Núcleo de Indicações Geográficas e Marcas Coletivas da Propci/UFBA.

Caldas observa também que a indicação geográfica assegura a distinção do produto no mercado de forma empírica, e fornece uma vantagem competitiva, inclusive juridicamente. Ela “agrega valor ao produto elaborado ou transformado, incrementa atividades não agrícolas e pode abrir as possibilidades de dinamizar outras atividades econômicas, como por exemplo, o turismo, a gastronomia e os pequenos negócios, dando maior visibilidade aos territórios produtores”.

Ele vê muitos outros produtos na Bahia com possibilidades de registro de indicação geográfica: o guaraná de Taperoá, os mariscos e o fumo do Recôncavo, a farinha do Vale de Copioba, o café de Piatã, os frutos do mar de Valença, o café de Ibicoara, a carne de sol de Itaberaba e de Ruy Barbosa, o cacau do sul da Bahia, as frutas da Chapada Diamantina, os artefatos de couro de Ipirá, a tecelagem de Paulo Afonso, o beiju de Conceição de Coité, dentre outros.

O acordo firmado entre Universidade e Governo do Estado dá continuidade, segundo Angela Rocha, ao trabalho iniciado no Congresso da UFBA em julho passado, com a exposição “O que é que a Bahia tem?”, baseada num estudo sobre possibilidades de indicações geográficas no estado. “Fizemos uma exposição sobre os potenciais de indicação geográfica porque, apesar de a Bahia ter 417 municípios, um estado tão rico em cultura e em biomas, nós só temos uma indicação geográfica reconhecida que é a cachaça de Abaíra, e dividimos com Pernambuco a indicação de mangas e uvas do Médio São Francisco”, fala.

As indicações geográficas surgiram do Acordo de Propriedade Intelectual relacionadas com o Comércio (ADPIC) da Organização Mundial do Comércio (OMC) de 1994 e, no Brasil, pela Lei nº. 9.279 de 1996, que regula os direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Atualmente, no Brasil, segundo o banco de dados de registro das indicações geográficas do INPI, existem registradas 49 indicações geográficas, das quais, oito são estrangeiras, inclusive a da Champagne.

Alcides Caldas acredita que, com o acordo de cooperação assinado com o governo estadual, a UFBA aumenta sua capacidade de interlocução com a sociedade baiana, com os produtores, agricultores, artesãos, pescadores, marisqueiras e comunidades quilombolas, contribuindo para a organização do território baiano, “cumprindo assim os seus objetivos institucionais”.

Fonte: EdgarDigital