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Curso de biotecnologia tira ciência do laboratório e revela nova geração de talentos

Estudantes aliam criatividade e empreendedorismo

Uma armadilha para capturar moscas que reaproveita um resíduo da fabricação de sabão. Um mecanismo de purificação de água usando apenas a luz do sol. Um teste de gravidez para vacas. Uma fábrica de picolés sem lactose. Uma vacina que previne a diarréia em porcos... todos esses são projetos desenvolvidos por jovens com idades entre 18 e 25 anos, alunos da graduação em biotecnologia da UFBA. O que eles têm em comum? Simples: a convicção de que é necessário "tirar a ciência dos laboratórios" e apostar na busca por soluções inovadoras e viáveis para problemas concretos. 

Essa tem sido a tônica da atuação de um talentoso e multipremiado grupo de estudantes empreendedores do curso de biotecnologia da UFBA (leia mais sobre cada um deles abaixo). O despertar da inclinação ao empreendedorismo ainda na graduação não é obra do acaso: além do talento e do esforço individual dos alunos, o perfil interdisciplinar da grade curricular do curso (que reúne ciências básicas e aplicadas, inovação tecnológica e gestão e empreendedorismo), uma empresa júnior atuante e o acesso a políticas públicas de estímulo ao aperfeiçoamento estudantil, como o programa Ciência sem Fronteiras, ajudam a explicar a significativa quantidade de prêmios, projetos e trajetórias de sucesso precoce de graduandos da UFBA na chamada "era da bioeconomia".

A bioeconomia, conforme explica a professora do curso de biotecnologia Angela Rocha, reúne todos os setores da economia ligados ao uso de recursos biológicos (seres vivos) e se preocupa em oferecer soluções coerentes, eficazes e concretas para os grandes desafios sociais, como crises econômicas, mudanças climáticas, substituição de recursos fósseis, segurança alimentar e saúde da população.  

Nos últimos anos, Angela tem estado à frente da disciplina Empreendedorismo e Biotecnologia, uma ACCS (Ação Curricular em Comunidade e Sociedade) em que os estudantes são estimulados a pensar projetos científica, econômica e socialmente concretizáveis, colocando todo o ferramental científico acumulado ao longo do curso a serviço da atitude empreendedora. "A ênfase no empreendedorismo se dá por conta do sistema econômico em que vivemos, que pede cada vez mais inovação", afirma Angela.

Criado em 2008 e iniciado em 2009, o curso de Biotecnologia tem 222 alunos ativos e 65 já graduados. O curso envolve as áreas da saúde, alimentos, ambiental e agrícola. É oferecido pelo Instituto de Ciências da Saúde (ICS) em período noturno, tem duração de quatro anos e meio e abre 30 novas vagas a cada semestre.

Fábrica de talentos

Três fatores ajudam a explicar o constante surgimento de novos estudantes empreendedores no curso de biotecnologia. O principal deles é a existência da Eleva, a empresa júnior do curso. Fundada há dois anos pelo estudante Geisel Alves, 22, com o objetivo de "tentar fazer biotecnologia na prática", a Eleva oferece palestras introdutórias, cursos de formação e suporte técnico a estudantes motivados a desenvolver novas ideias. No início de sua trajetória, Geisel contou com o apoio da UFBA, através do edital ACCS (da Pró-Reitoria de Extensão).

Para Geisel, a mensagem fundamental da Eleva é que "é possível sim fazer tecnologia com pouco". "Temos que quebrar esse preconceito de que é preciso ter muito recurso para fazer ciência", acredita. Na mesma linha, o atual presidente da empresa, Alexandre Galvão, 21, acredita que "criatividade é resolver um problema com o que se tem na mão". Ele pondera que, além da inovação, a pesquisa aplicada depende da sinergia entre pessoas e grupos: "Quando mais pessoas acreditam numa idéia, ela vira realidade."

Outro fator motivador é o sucesso atingido por alguns estudantes 'veteranos' do curso, que têm servido de inspiração aos novos alunos. O principal deles é Steve Biko Ribeiro, primeiro monitor da ACCS oferecida pela professora Angela e unanimidade entre os colegas. Aos 25 anos, ele é considerado pelo MIT (Massaschussets Institute of Technology, dos EUA) uma das 50 mentes mais inovadoras do Brasil. Vencedor de prêmios importantes na área de inovação, como o Grand Prix Senai de Inovação (2014) e o Inovatia Brasil (2015), Steve desenvolve atualmente o projeto Tempero Líquido. "Inovação é solução de problemas. A diferença que o curso de biotecnologia oferece é o caráter multidisciplinar da formação, que envolve áreas diversas, como biologia, química e programação. Isso faz o estudante desenvolver um olhar mais amplo do que alunos que vêm de outras formações", avalia. Em sua trajetória, Steve também teve o apoio do edital ACCS, e atualmente conta com o suporte do edital Paideia (da Pró-Reitoria de Pesquisa, Ciência e Tecnologia - PROPCI). 

Completando o tripé motivacional estão as iniciativas de divulgação do campo profissional da biotecnologia tocadas por estudantes. Entre as principais estão o Divulga Biotec (grupo de estudantes que visita empresas e escolas de ensino médio para realizar palestras sobre biotecnologia), e os sites Profissão Biotec (que abriga textos explicativos e entrevistas com profissionais ligados à biotecnologia) e Bio Academic (que produz conteúdo próprio e compartilha notícias da área).

Perfis

Jânio Santos, 25, e Hugo Novais, 24: das moscas aos prêmios

Jânio tem um parente que é fruticultor. Todo ano, ele perdia 30% de sua produção, por causa de um tipo de mosca que ataca a plantação. Para resolver o problema, os dois amigos criaram o MoscAtrativo, uma armadilha que captura a praga, aliando baixo custo e alta durabilidade. Como matéria-prima, o artefato utiliza o resíduo da fabricação de sabão a partir de óleo reutilizado: a substância tem odor altamente atraente para as moscas! "Com isso, ajudamos a agricultura familiar e evitamos o descarte de um material tóxico", explicam. Com o projeto, a dupla já conquistou diversos prêmios, como o primeiro lugar na Jornada Cientifica Embrapa –2014; segundo lugar no Concurso Ideias Inovadoras Fapesb – 2015; terceiro lugar na jornada cientifica Embrapa -2015; finalista do prêmio Santander Universidades – 2015; finalista do programa de pré-aceleração Biostartup LAB – Projeto pastilha inteligente – 2015; e finalista do programa de pré-aceleração Inovativa – Startup LABusiness – 2016. 

Anna Luísa Beserra, 18: a luz do sol purifica a água

Recentemente selecionada para um curso de empreendedorismo do MIT, Anna Luísa criou a Safe Drinking Water for All (SDW), uma startup que busca colaborar com a solução do problema mundial de escassez de água potável. O projeto tem como objetivo desenvolver um dispositivo de fácil adaptação para desinfecção da água, através dos raios ultravioleta emitidos pelo sol - que chegam à Terra em grandes quantidades e podem ser utilizados para o tratamento da água - , a ser instalado em cisternas e reservatórios. Segundo o site da SDW, a instalação do artefato "é só o começo! Nós ficamos engajados com as comunidades a longo prazo, proporcionando visitas regulares de manutenção para manter a água fluindo para o bem além de outras iniciativas para dar o melhor suporte possível. Através destas visitas, construímos relacionamentos com as comunidades e trabalhamos com eles para iniciar projetos que farão com que a comunidade mais próspera e capacitados a longo prazo." Anna Luisa conta com o apoio do edital Polideias (PROPCI).

Nalu Gusmão, 23: picolé vegano

Nalu abandonou o curso de direito para cursar biotecnologia. A empatia com a nova área, entretanto, não foi imediata: "No início, via que as pesquisas ou ficavam engavetadas, ou não saiam do laboratório". Foi quando ela teve a ideia de se aprofundar no tema da bio-remediação (uso de soluções biotecnológicas para recuperar áreas degradadas). Com uma bolsa do Ciência sem Fronteiras, ela partiu para a Universidade de Nothingham, na Inglaterra, referência na área, onde estudou por 1 ano e 3 meses. "Pude perceber que aqui [na UFBA] a grade [curricular] é muito bem montada, mas lá há uma oferta bem maior de aulas práticas". Lá, além de ter se aprofundado em bio-remediação, ela desenvolveu um projeto inovador: um picolé sem lactose, que contém um microorganismo que ajuda na digestão. "Morava com um colega vegano, e pensei: como a biotecnologia pode ajudá-lo?" E criou o picolé. Atualmente, Nalu conta com o apoio da bolsa PIBIT (Iniciação Tecnológica, da Propci /CNPq).

Alexandre Galvão, 21, e Tatiana Damasceno, 23: teste de gravidez... para vacas!

A dupla inseparável do curso de biotecnologia 'contaminou' outras duas colegas (Emily Nunes, de veterinária, e Carla Pereira, de engenharia química) com o vírus do empreendedorismo. Resultado: juntos, os quatro criaram a startup NBio Tecnologia. Após perambularem por feiras, exposições e hospitais veterinários, eles tiveram uma ideia que promete abalar o mercado agropecuário: fabricar um "teste de gravidez" para vacas, produto que ainda não existe no mercado. Original e eficaz: utilizando apenas uma gota de sangue do animal, a expectativa é reduzir pela metade o tempo de espera para saber se uma vaca inseminada está ou não esperando um bezerrinho. Atualmente, esse tempo varia entre 30 e 45 dias, e depende de um exame ultrassom ou de toque feito por veterinários - processos que, além de caros, são invasivos para o animal. O teste ajudará a aumentar a produtividade dos rebanhos, pois possibilitará aos criadores reinseminar mais rapidamente as vacas que não estiverem prenhas. Além de atuarem na startup, Alexandre e Tatiana atuam em outras frentes de disseminação da biotecnologia: ele é o atual presidente da Eleva, a empresa júnior do curso; ela atua como monitora no Instituto Steve Biko, pré-vestibular voltado a estudantes negros de baixa renda. Os dois contam com o apoio do edital Polideias (PROPCI).

Carolina Limoeiro, 23: Não é CSI, mas "dá resultado no final"

Carol entrou no curso "achando que ia viver [como em] CSI [seriado de ficção científica], descobrir muita coisa... mas aí me desmotivei". A motivação ela reencontrou no intercâmbio na Missouri Western State University, nos EUA, através do Ciência sem Fronteiras. Lá, após cursar uma disciplina sobre vacinas, ela fez um estágio em uma empresa alemã, onde apresentou um projeto inovador: uma vacina que previne a diarreia em porcos. Em seguida, através da Universidade de Miami, participou do desenvolvimento de uma vacina contra a leishmaniose. Ao todo, Carol ficou 1 ano e 3 meses no país. "Quero trabalhar com algo que sei que vai dar resultado no final, que possa melhorar a vida das pessoas. A biotecnologia abre um leque enorme para fazermos o bem comum", resume.

Vanessa Carreiro, 22: jornalismo biotecnológico

O intercâmbio na França, com bolsa do Ciência sem Fronteiras, fez o encanto de Vanessa pela biotecnologia aumentar: lá, ela estagiou no Institut Pierre et Marie Curie, um dos principais centros mundiais de pesquisa sobre o câncer. Mas, junto com o encantamento, veio a preocupação: "percebi que pouca gente fora do curso sabia o que era biotecnologia". Então, junto com as amigas Caroline Salvati e Jéssica Schérer, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ela criou o blog Profissão Biotec, que contém "textos técnicos e lúdicos", dados e entrevistas com profissionais da área, com o objetivo de explicar quem é e como atua o profissional da área de biotecnologia e onde existem cursos ligados a esse campo no Brasil. A ideia fez tanto sucesso, que o blog atraiu mais duas colaboradoras - Mariana Rau, da UFRGS, e a colega de UFBA Carol Limoeiro.

 

*Quem é quem na foto: fileira do alto: Nalu Gusão, Alexandre Galvão, Tatiana Damasceno e Geisel Alves; fileira do centro: Carolina Limoeiro (à esquerda) e Anna Luísa Beserra (à direita); fileira de baixo: Hugo Novais, Vanessa Carreiro, Jânio Santos e Steve Biko Ribeiro