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Café Científico discute lacuna entre pesquisa acadêmica e prática docente

Charbel El-Hani e Cláudia Sepúlveda fazem palestra

O Café Científico de Salvador, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências (UFBA/UEFS) e pela LDM - Livraria Multicampi, realiza na próxima sexta-feira (dia 16 de setembro), às 18h, palestra dos professores Charbel Niño El-Hani (Instituto de Biologia/UFBA) e Cláudia Sepúlveda (Departamento de Educação/UEFS), sobre o tema “Um modelo colaborativo de pesquisa em educação e a superação da lacuna entre pesquisa acadêmica e prática docente”. A palestra, seguida de debate com os presentes, observará os seguintes pressupostos:

“Uma lacuna entre pesquisa e prática tem sido geralmente reconhecida pelos pesquisadores em educação e pelos professores, tanto na educação em termos gerais, quanto no ensino de ciências (e.g., PEKAREK; KROCKOVER; SHEPARDSON, 1996; KENNEDY, 1997; LÜDKE et al., 2001; MCINTYRE, 2005; PENA; RIBEIRO FILHO, 2008; VANDERLINDE; VAN BRAAK, 2010). Esta lacuna diz respeito à percepção de que professores não usam com frequência resultados da pesquisa educacional para construir e refletir sobre sua prática, assim como não dão grande valor à contribuição da pesquisa acadêmica para o trabalho em sala de aula. O mesmo tem sido observado em relação aos tomadores de decisão no campo educacional. Além disso, mudanças nas práticas escolares não resultam tipicamente da pesquisa acadêmica, mas de outras fontes, como políticas governamentais, materiais curriculares, livros didáticos, nas quais os resultados da pesquisa desempenham, quando o fazem, um papel indireto. 

“A lacuna pesquisa-prática não é um problema apenas do campo educacional. Em muitas áreas do conhecimento a mesma questão tem sido colocada, a exemplo da ecologia (WHITMER et al., 2010; PARDINI et al., no prelo), medicina (BERO et al., 1998), gestão e desenvolvimento de recursos humanos (SHORT, 2006), pesquisa sobre desastres naturais (MYERS, 1993). Este é, pois, um problema que deve ter causas mais gerais do que alguma deficiência específica do campo educacional. Ele parece ser, antes, uma característica genérica da relação entre pesquisa acadêmica e prática profissional, e esta generalidade, por sua vez, sugere que aspectos estruturais do trabalho científico e/ou da prática estão envolvidos. Nesta direção, a lacuna pesquisa-prática pode ser vista como uma consequência da forma como a pesquisa educacional tem sido conduzida, organizada e/ou disseminada (KENNEDY, 1997), ou como uma decorrência de dificuldades de colocar em relação duas classes diferentes de conhecimentos (MCINTYRE, 2005), o conhecimento mais generalizado e abstrato que é – e deve ser – produzido pela pesquisa e o conhecimento usado no domínio da prática, que é – e deve ser – mais situado e concreto.

“Como argumenta McIntyre (2005), a superação da lacuna pesquisa-prática depende de um duplo movimento: do conhecimento produzido pela pesquisa rumo às particularidades das salas de aula, através do desenvolvimento e da implementação gradual de propostas para a prática pedagógica, e do conhecimento pessoal dos professores rumo a um maior grau de generalidade e, portanto, a uma maior facilidade de ajuste a novas situações, a partir da reflexão docente. Estes movimentos são mais poderosos e empoderadores se professores e pesquisadores estiverem reunidos em equipes colaborativas, nas quais todos atuem como pares, em relações menos verticalizadas do que as que costumam ocorrer na pesquisa educacional, ou seja, superando-se hierarquias entre professores-investigadores da educação básica e da universidade. Este duplo movimento, da pesquisa para a prática, e da prática para a pesquisa, tem sido realizado, em nossos grupos de pesquisa, com base numa comunidade de prática, a ComPratica, e num grupo colaborativo de pesquisa educacional.

“A ComPratica é uma comunidade virtual de prática reunindo professores de biologia da educação básica, licenciandos de biologia, pesquisadores universitários, graduandos e pós-graduandos, com a intenção de discutir temas tão variados quanto a compreensão de determinados conceitos biológicos e o desenvolvimento profissional de professores, as condições de trabalho nas escolas e inovações educacionais para o ensino de conteúdos determinados. Professores de biologia interessados em participar da mesma podem escrever a charbel.elhani@gmail.com.

“Uma comunidade de prática (CoP) é um grupo de indivíduos com distintos conhecimentos, habilidades e experiências, que participam de modo ativo em processos de colaboração, compartilhando conhecimentos, interesses, recursos, perspectivas, atividades e, sobretudo, práticas, para a construção de conhecimento tanto pessoal quanto coletivo (LAVE E WENGER, 1991; WENGER, 1998). Uma CoP, quando efetivamente funciona, gera e se apropria de um repertório compartilhado de idéias, objetivos e memórias; desenvolve recursos, como ferramentas, documentos, rotinas, vocabulários e símbolos, que, em certa medida, carregam consigo o conhecimento acumulado pela comunidade. Em outras palavras, uma comunidade de prática envolve praxis: maneiras compartilhadas de fazer e de se aproximar das coisas de que se ocupam as pessoas que a integram.

“A ComPratica conta com elevados graus de participação de seus membros, em comparação com outras comunidades virtuais, e tem resultado em inovações que são, algumas delas, objetos de estudo, do grupo colaborativo de pesquisa. Este, por sua vez, nasceu de dentro da ComPratica e tem se caracterizado como uma equipe de pares, reunindo professores-investigadores e pesquisadores universitários, e incorporando mecanismos que visam horizontalizar as relações entre estes atores, buscando desconstruindo hierarquias que são muitas vezes reiteradas na pesquisa educacional. Desse modo, pretendemos, para usar uma máxima que freqüenta nosso trabalho de pesquisa, mover os professores, na pesquisa educacional, dos agradecimentos para a autoria. De modo mais elaborado, trata-se de superar mecanismos que “... efetivamente excluem os professores do processo ativo de descoberta e distribuição de conhecimento, atribuindo-lhes, em vez disso, um papel passivo de consumidores do produto científico final” (GARRISON, 1988, p. 488).

“O questionamento das posições sociais e institucionais de pesquisadores e professores, que tem lugar através do modelo colaborativo de pesquisa implementado no projeto, contribui para a abordagem de um dos problemas centrais envolvidos na lacuna pesquisa-prática, a falta de colaboração entre pesquisadores universitários e professores-investigadores através das fronteiras da instituições/organizações em que trabalham. Afinal, o fosso que em geral se observa entre a escola e a universidade e, por conseguinte, entre professores-investigadores da educação básica e universitários, é decorrente não só de fatores estruturais relativos a estas duas instituições sociais, mas também da posição social que estes atores sociais assumem, em conexão com uma visão hierárquica que coloca a universidade acima da escola. O sucesso na diminuição da lacuna entre pesquisa e prática educacionais envolve, de modo importante, o questionamento e a superação de tal visão hierarquizada.

“Neste Café Científico, discutiremos o funcionamento da ComPratica e do grupo colaborativo de pesquisa educacional, tratando, além disso, de questões relativas à natureza da pesquisa docente e dos critérios de validade que se aplicam a ela.

O Café Científico é um local em que qualquer pessoa pode discutir desenvolvimentos recentes das várias ciências e seus impactos sociais. Ele oferece uma oportunidade para que cientistas e o público em geral se encontrem face a face para discutir questões científicas, numa atmosfera agradável. O evento é inteiramente gratuito e não necessita de inscrição. O local é a LDM - Livraria Multicampi, na Rua Direita da Piedade, 20, Piedade. Para mais informações, ligue (71) 2101-8000 (LDM) ou (71) 3283-6568 (UFBA). Outros dados sobre o café científico de Salvador podem ser encontradas em http://cafecientificossa.blogspot.com